Já é chover no molhado destacar a importância do programa MasterChef Brasil na grade da Band – emissora que pena para conseguir planejar bons formatos na área de entretenimento. Da mesma forma, já perdeu a graça a piada de destacar que a Band praticamente emenda uma temporada na outra, sem chance de descanso, nem para a equipe, nem para o espectador. Isso se dá, claramente, por motivos econômicos: a quantidade de patrocinadores que o programa consegue angariar, tendo em vista seus níveis de audiência e sua repercussão.
Tentando mostrar algum jogo de cintura quanto à repetição, a Band até o momento já concretizou pelo menos cinco produtos em cima da franquia MasterChef: o MasterChef convencional, com amadores; o MasterChef Júnior, com crianças, o MasterChef Profissionais; o MasterChef – A Revanche, com participantes famosos de temporadas anteriores; e por fim o spin-off Pesadelo na Cozinha, no qual o jurado Jacquin visita restaurantes falidos no intuito de prestar um serviço de “coach culinário”.
Em 2020, a emissora retorna com uma nova edição em plena pandemia, a qual tem desfavorecido a gravação de novos programas e paralisou boa parte das atrações de entretenimento. Para isso, estrearam nesta terça a nova temporada em uma configuração experimental. Diferente de todas as temporadas anteriores, nesta, os desafios serão semanais: a cada terça, 8 cozinheiros se enfrentam. Ao final da noite, um participante sai vencedor e ganha prêmios ofertados pelos vários patrocinadores.
No primeiro episódio, que esclarece as novas regras, o estranhamento é visível. Encarado, sem qualquer disfarce ou constrangimento, como o carro-chefe da Band, o MasterChef costuma ser anunciado com alta pompa: os jurados, por exemplo, são tratados como autoridades e o evento, quase como se fosse uma cerimônia do Oscar. A temporada atual assume o tom de adaptação às circunstâncias (o que é positivo), mas causa certo desconforto – que será ou não desconstruído nas próximas semanas, como iremos conferir.
O tom low-profile se desenrolou também nos outros elementos do programa. Os prêmios são menores: os R$ 250 mil se tornaram R$ 5 mil por programa; a bolsa de estudos na escola Le Cordon Bleu, em Paris, se tornou uma bolsa na Universidade Estácio de Sá, patrocinadora do MasterChef. Os memes – que garantem boa parte da diversão na segunda tela, a do celular – foram inevitáveis.
Basta acompanhar algumas edições para notar que MasterChef não é sobre comida – ou, dito de outra forma, a comida é uma desculpa para tratar de outros elementos importantes da cultura.
A julgar pelo primeiro episódio, esta tônica se repete também nos pratos. Os participantes foram desafiados para realizar pratos simples da culinária brasileira, solicitados via tablet por celebridades como Ivete Sangalo. Assim, tiveram que fazer versões gourmet de feijoada, caruru, galinhada. Se por um lado vigorou o discurso da simplicidade, de pratos democráticos, por outro, trouxe uma sensação algo frustrante. Fazendo uma comparação, é quase como se o MasterChef Brasil fosse a experiência de comer em um restaurante, a versão “quarentena”, um delivery.
De todo modo, o grande desafio a ser enfrentado por esta temporada 2020 será o de acertar o foco naquilo que realmente é o centro do programa. Basta acompanhar algumas edições para notar que MasterChef não é sobre comida – ou, dito de outra forma, a comida é uma desculpa para tratar de outros elementos importantes da cultura. Já tivemos edições que falaram sobre empoderamento feminino, sobre relações corporativas, sobre a criação de personagens. Em comum, todos estes aspectos se unem em um só: MasterChef é sobre pessoas.
Penso que a crítica do jornalista Fefito, no UOL, vai direto no ponto nevrálgico: há o risco de este MasterChef ter mais de game do que de reality show. Isto porque, se os participantes durarão apenas uma semana, não haverá tempo suficiente para que os espectadores estabeleçam relações com eles – o que é, sem sombra de dúvida, o âmago do formato baseado na realidade.
No primeiro episódio, tivemos alguns momentos marcantes, baseados, é claro, nas personalidades dos escolhidos (o processo de seleção, um dos pontos centrais do programa, foi excluído). Um deles, um homem que disse ter vindo do Canadá para participar de um programa, se envolveu num imbróglio ao pegar um frango no mercado para fazer uma receita que não precisava deste ingrediente, deixando outro participante encarregado de fazer uma galinhada sem galinha (levando-o a soltar uma hilária frase: “o resgate do soldado frango”). Outra competidora, uma fazendeira com histórico de miss, proferiu uma série de frases profundamente elitistas e levantou pistas que seria uma ótima vilã. Já Cecilia, bastante carismática, foi “eleita” rainha da internet. Pena que nenhum deles retorna na semana que vem.
Cabe ressaltar que há alguma ousadia da Band em modificar a estrutura do programa, ao invés de simplesmente ficar repetindo temporadas velhas, como já vinha fazendo. Não fica claro, por outro lado, como toda esta mudança beneficia o isolamento físico exigido pelo momento atual – razão de ser, afinal, de qualquer tentativa de adaptação. Esperemos pelos próximos episódios.