O noticiário estarrecedor dos últimos nos dias não me deixa mentir: ser mulher (e principalmente mãe) nessa sociedade patriarcal e machista não é fácil. Somos julgadas e manipuladas o tempo todo, não importa a idade. Nossos corpos são objetificados, reduzidos a descartáveis matrizes de reprodução, tal qual como em um laboratório maligno.
Essa relação entre maternidade, papel da mulher e das mães, liberdade e respeito são tratados com maestria no livro Pequenos Incêndios Por Toda Parte (Intrínseca, 2017). Eu li o livro em 2019 e lembro que a questão da maternidade me tocou mais nos trechos da trama que tratam do bebê asiático. Na literatura, a obra me chamou mais atenção pelo viés do status quo e das diferenças entre classes sociais.
No último final de semana, maratonei a adaptação da obra para a tevê (produzida pela Hello Sunshine e disponível desde maio no Amazon Prime). Na minissérie, consegui enxergar melhor a versão da história que evidencia a questão materna: as escolhas, as falhas, o direito de ser mãe, o sentimento das mães adotivas, a maternidade compulsória, aborto, carga mental e o mito da “perfeição materna”.
O livro e a série nos colocam diante da realidade estereotipada da maternidade: mães devem buscar a perfeição? Uma família rica é sempre o melhor para uma criança? Qual é o efeito de tantas depressões pós-parto jogadas para baixo dos tapetes mundo afora?
O que é ser mãe? Como respeitar a individualidade dos filhos? Como não exigir dos filhos que sejam como nós?
O que é ser mãe? Como respeitar a individualidade dos filhos? Como não exigir dos filhos que sejam como nós? O que nós precisamos mudar para não enlouquecer nossas crianças? Como buscar o caminho da cura para que as marcas do machismo e do patriarcado – que são tão presentes no maternar – não enlouqueça as mães?
Volta e meia, quando as coisas estão agitadas aqui em casa, fico cantando mentalmente (ou não) aquele refrão do David Bowie:
“Oh, you pretty things
Don’t you know you’re driving your
Mamas and papas insane?”
Sempre pensei na música como um questionamento direto às crianças, coitadas.
Agora, vejo que não. É sobre a gente mesmo: como tratar nossa criança interior para que ela, agora adulta, possa quebrar os ciclos viciosos de culpa e representações idealizadamente irreais (e criar umas novas, afinal, somos humanos)?
Voltando à história
A história se passa em uma cidade meticulosamente planejada em Ohio. A chegada de uma artista e mãe solo estremece a suposta estabilidade da cidade.
Segredos são expostos e mistérios revelados quando duas famílias completamente diferentes são colocadas em embate direto: a mãe “perfeita” da classe média versus a mãe artista; a mãe que abandona um bebê versus a mãe que adota; a adolescente rica que aborta e consegue esconder a decisão versus a adolescente pobre que é julgada publicamente pelo mesmo ato.
Tanto o livro quanto a série nos deixam diante de muitas perguntas e poucas respostas. A certeza é apenas uma: vale ler e assistir porque ficar com dúvidas sobre a gente mesmo é sempre enriquecedor – apesar de doloroso.
A versão para tevê incluiu as atuações perfeitas da Reese Whiterspoon e Kerry Washington (que saudade de Scandal) e adiciona a questão racial ao enredo – mais lenha na fogueira que já tem chamas altas.
A pergunta central de todas as personagens mulheres e mãe na trama do livro e da minissérie é: fiz a escolha certa? Nunca temos essa resposta e precisamos fugir das idealizações para que o questionamento não corroa nossa sanidade.