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Meu nome não é Rafael

porYuri Al'Hanati
5 de outubro de 2020
em Yuri Al'Hanati
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Meu nome não é Rafael, crônica de Yuri Al'Hanati

Meu nome não é Rafael, crônica de Yuri Al'Hanati. Imagem: Brida Staright/Pixabay.

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É, amigos, enquanto os primeiros movimentos sociais se organizam na internet para realizar as primeiras passeatas clamando pelo fim antecipado de 2020, constato da tela do meu smartphone que nada é tão ruim que não possa piorar. Não bastasse a economia mambembe, esse coronavírus que não vai embora e os flagrantes em vídeo de abusos da classe média estressada que espocam a toda hora na internet, recebo a notícia de que, em Recife, um perfil do Tinder foi montado com as minhas fotos. Os screenshots que recebo são inacreditáveis: lá estou eu, com minha vaidade mulamba e minha beleza altamente subjetiva, sendo o rosto de um tal Rafael, 26 anos (a pouca idade me lisonjeia por cinco segundos, não mais do que isso), que busca com o auxílio do meu rosto – o quê? Dar um golpe? Conseguir uma paquera? Estuprar e matar alguém em um beco qualquer? Não sei e prefiro não saber. Entro em contato com os gentis e prestativos suportes da rede social de encontros – já calejados com a prática – e, enquanto espero a resposta, passo raiva sozinho.

É claro que o roubo da imagem, ainda mais para sabe-se lá que finalidade capaz de manchar reputações, me emputece até os cabelos. Mas nada revira minha bile quanto o estupro da minha personalidade. Pelo gênio perverso do tal Rafael, não sou apenas oito anos mais jovem: sou “de boas com a vida”, vegetariano e gosto de “tomar litrão no antigo”, ou seja, tomar cerveja de péssima qualidade no Recife Antigo. Logo eu, acusado tantas vezes de uma aristocracia sem lugar em um mundo consumido pela culpa burguesa, consigo sair ao mundo desacoplado de minhas tradicionais garrafinhas de vinho para ser o cavalo dessa entidade pernambucana que se alimenta de cevada e milho sentado na calçada suja em frente a um botequim qualquer e que pretende, por meio de um franciscanismo de resultado, dialogar com o povo tal qual um político em campanha, disfarçando a mão de vaca com esse epicurismo de baixa performance sem a menor vergonha na cara.

Quem diabos é de boas com a vida em pleno 2020? Quem bota a cabeça no travesseiro e dorme tranquilo com o trator das forças obscurantistas a solapar direitos e higienizar nações? Quem vive despreocupado com essa porcaria de vírus que mata já quase 150 mil só aqui nessa terra esquecida até por Deus?

Não só, mas o vegetarianismo que o Rafael força em minha cútis nada conservada também parece passar despercebido. Ironicamente, ele usa uma foto minha tomando um drink que, entre outros ingredientes, leva lardo di colonnata – a famosa banha de porco. Vegetariano, eu? Eu, que acho pepino um alimento inaceitável, que não considero salada uma refeição, que sinto um vazio enorme a me corroer na boca do estômago quando deixo de mastigar um cadáver, que cada vez mais aprecio carne vermelha crua e sem temperos, que tenho sonhos felizes e recorrentes sobre canibalismo, sou um vegetariano de boas com a vida. Quem diabos é de boas com a vida em pleno 2020? Quem bota a cabeça no travesseiro e dorme tranquilo com o trator das forças obscurantistas a solapar direitos e higienizar nações? Quem vive despreocupado com essa porcaria de vírus que mata já quase 150 mil só aqui nessa terra esquecida até por Deus? Eis o Rafael, vegetariano “de boas com a vida”, enganando não apenas aos outros, mas a si mesmo com sua gratiluz halogênica, sua calma forçada, sua consciência limpa diante de tal roubo de imagem e subversão da personalidade alheia.

Os amigos são entre solidários e jocosos porque no dos outros é refresco, mas a farsa dura pouco. Em dois dias, o Tinder me responde e confirma que o perfil foi deletado, muito provavelmente pelo próprio Rafael (talvez não tenha ficado tão “de boas” depois de uma rebordosa leve sobre seus feitos), e que, pelo menos por enquanto, minha imagem está a salvo de usurpadores. Convenhamos que nenhuma moça recifense em dia com suas faculdades mentais daria chance a tão ridícula personalidade alinhado a tão mal diagramado rosto, mas alguma coisa é certo de que foi tentada por um estranho que me olha mais de perto do que imagino. Xô, Rafael.

Tags: cervejaCrônicalitrãopersonalidadeRafaelReciferoubo de identidadeTindervegetarianismo

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