No último domingo, uma notícia inesperada criou uma comoção televisiva (para muitos, também inesperada): aos 47 anos, o ator Tom Veiga, o “titereiro” do Louro José, parceiro de Ana Maria Braga por 25 anos em seus programas, foi encontrado morto na sua casa. Provavelmente em vida jamais Tom imaginaria o quanto seu Louro José foi querido por tanta gente.
Na segunda-feira, todos os telejornais anunciaram sua partida. O Mais Você e o Encontro com Fátima Bernardes foram inteiros dedicados a ele. Ana Maria Braga, a “mãe” do Louro, optou por apresentar seu programa ao vivo e trouxe ao seu público uma edição absolutamente comovente. Chorando, Ana Maria iniciou seu programa encostada na bancada vazia, agora coberta em flores, em que ficava o Louro durante todas as manhãs. Conforme outros jornalistas já comentaram, houve ali uma prova do profissionalismo de Ana Maria Braga como um dos grandes nomes da comunicação de massa: ela conseguiu levar seu programa adiante de forma muito comovente e serena, sem pieguice, mas sendo capaz de conduzir a homenagem que prestava a este que talvez seja seu mais fiel companheiro de trabalho. Pode parecer pouca coisa, mas foi um atestado da grandiosidade desta apresentadora.
Louro José, como sabemos, foi um personagem criado por Ana Maria Braga ainda no Note e Anote, que apresentava na Record, e que foi levado com ela para a Globo desde a estreia do Mais Você, em 1999. A ideia era dar um parceiro à apresentadora de um programa feminino, mas ao mesmo tempo manter no canal as crianças que se identificariam com a linguagem leve e a figura terna do boneco. Depois de vários testes, a manipulação do animal coube a Tom Veiga, que era assistente de produção no Note e Anote.
Passei estes últimos dias me perguntando sobre como poderíamos explicar essa comoção acerca do falecimento desse ator, o qual conhecíamos através de seu personagem. Há outros bonecos que, se seus “ventríloquos” falecessem, causariam a mesma dor? É difícil imaginar isso, por exemplo, caso o homem que dá a voz ao Xaropinho (aquele rato mal-educado que participa do Programa do Ratinho) falecesse, ou se o intérprete da Priscila (o sheep dog gigantesco da TV Colosso, antigo programa infantil da Globo), morresse. Então, como compreender?
Louro José, por causa do talento de Tom Veiga, transformou-se num personagem icônico, espontâneo, que falava qualquer coisa que vinha na cabeça, e por isso fazia rir.
Penso que entender o carisma de Louro José diz respeito a entender o carisma da própria Ana Maria Braga – e a fórmula mágica que ambos criaram, trabalhando juntos. Louro José consolidou-se como uma das melhores “escadas” (o ator que geralmente dá suporte a um personagem principal) na televisão, ainda que não estivesse sitiado em um programa humorístico. A dupla Ana Maria Braga e Louro José é daquelas que tinha tudo para dar errado: afinal, qual a possibilidade de uma dona de casa (o público inicial do Mais Você) não se sentir meio menosprezada quando aquela pessoa que se comunica com ela, durante todas as manhãs, conversa de igual para igual com um papagaio de espuma?
Tinha tudo para dar errado, mas deu certo. Louro José, por causa do talento de Tom Veiga, transformou-se num personagem icônico, espontâneo, que falava qualquer coisa que vinha na cabeça, e por isso fazia rir. Tal como uma criança, embora não fosse. Como pontuou o colunista Tony Goes na Folha de São Paulo, Louro José era como um bobo da corte, aquele que diz as verdades que ninguém quer assumir, o que contrapunha com o personagem maternal encarnado pela própria Ana Maria Braga. Servia, portanto, como um extravaso à nossa própria tensão.
A jornada de ambos os apresentadores, Ana Maria e Tom Veiga, é algo a ser louvada. Ambos resistiram a uma enxurrada de críticas e conseguiram ressignificar-se em uma mídia de massa, na qual todos, aparentemente sem exceções, estão sempre à beira do cancelamento público. Da Ana Maria inicial, decodificada como “Ana Maria Brega”, à mulher lutadora e coletivamente respeitada como um grande nome da televisão, a verdade é Tom Veiga, encarnando seu Louro José, esteve sempre ao seu lado, concretizando uma simbiose poucas vezes vistas na TV. Vai fazer muita falta.