Com suas anotações, ora lidas, ora consultadas, Eliane Brum dividiu seus pensamentos em três etapas e encantou a plateia no Theatro Pedro II, em Ribeirão Preto, no último domingo, 14. A jornalista participou do Salão de Ideias da 15a Feira Nacional do Livro, e a receptividade à sua presença surpreendeu. Marcado para ser realizado no auditório Meira Júnior, com capacidade para 200 pessoas, o evento passou para a sala principal do teatro, que comporta 1.588 pessoas. Com Eliane, quase todas as cadeiras se ocuparam. Uma feliz surpresa em sua quarta visita à feira.
A gaúcha de Juí, além de jornalista, é escritora e documentarista, com passagem pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e pela Revisa Época, em São Paulo. Desde 2010, Eliane atua como freelancer e se tornou viral nas redes sociais. Suas crônicas, hoje publicadas online no El País Brasil, são compartilhadas por jovens e adultos. Ganham espaço no Facebook e trechos são utilizados, entre aspas, como aquelas frases que gostaríamos de dizer em algum momento, mas que não tivemos a clareza para organizar em palavras.
Autora de seis livros, sendo um romance e cinco obras de não-ficção, Eliane crê que longos textos ainda são lidos – ao contrário da teoria conspiratória que aposta na preguiça dos leitores quando a barra de rolagem da página começa a diminuir. “Escrevo textos com 20 mil caracteres. Em uma revista, seriam 10 páginas. E são textos lidos pelas pessoas na internet. Para quem não acredita que as pessoas leem, posso provar que leem, por uma série de ferramentas, como o número de acesso e o tempo de permanência na página, por exemplo”, disse a jornalista.
Eliane gosta de retratar os “desacontecimentos”, como chama. “Aqueles que não são notícia”, segundo ela, lhe rendem as pautas. E foi assim quando acompanhou, pela revista Época, os últimos 115 dias de Alice de Oliveira Souza, vítima de câncer. Foram dias sem conseguir escrever uma linha sequer sobre o assunto, que lhe fizeram questionar. “Por que eu escreveria aquilo? Escrevi uma matéria que ela mesma não poderia ler. Descobri aí que as palavras são insuficientes para dar conta da vida. Mas vi que isso é a tragédia e também a graça, em momento”, afirmou.
‘Por que eu escreveria aquilo? Escrevi uma matéria que ela mesma não poderia ler. Descobri aí que as palavras são insuficientes para dar conta da vida.’
Relatos de sua experiência no jornalismo e na literatura formaram a primeira etapa dos pensamentos organizados de Eliane. A segunda parte, como dividiu, foi pautada na atualidade. O desmatamento das florestas e o descuido com que atualmente tratamos nosso País podem ser resumidos em uma frase dita pela jornalista. “O tempo de despertar passou. Agora é a hora de acordar em pânico”. Afirmou, enquanto dizia que, enquanto falava, uma área equivalente a nove campos de futebol era desmatada na Amazônia.
Para encerrar sua primeira – e memorável – participação na Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, Eliane leu uma de suas crônicas, na terceira e última etapa de seu Salão de Ideias. Uma carta para Catarina, sua afilhada. “A menina quebrada” é o título, que também nomeia seu último livro.
O texto, lido pela própria autora, emocionou. A plateia lotada do Theatro Pedro II mirava a jornalista atentamente. A sensibilidade de suas linhas escritas, comprovamos, é reflexo da alma e da calma. É reflexo, principalmente, de seu olhar atento aos “desacontecimentos”. “Mas na era da internet, o que será do jornalismo?”, ecoa a pergunta da plateia. “A reportagem, a boa história”, responde ela.
E é por não se furtar a contar as boas histórias, que Eliane atraiu mais ouvintes do que o esperado, mais leitores do que o estimado. Sua primeira participação no salão principal do evento deixou a sensação de que ainda há esperança para o bom jornalismo. Não apenas pelas palavras da convidada, mas pela quantidade de jovens presentes – a maioria das cadeiras ocupadas.
Que venham mais: Eliane na Feira do Livro e “Elianes” no jornalismo.
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