Em um Brasil tão divido, entregue à deriva e aos caprichos de homens obscenos, Conceição Evaristo talvez seja uma das poucas unanimidades que ainda persistem. É impossível não reconhecer o seu enorme talento, não se render à força de suas palavras e à beleza de sua trajetória.
Nascida em uma comunidade na zona sul de Belo Horizonte, a escritora mineira conheceu desde cedo a desigualdade, o preconceito e as injustiças que estão estampadas em sua obra e fazem parte do cotidiano brasileiro. Conciliando os estudos com o trabalho de empregada doméstica, Conceição concluiu o curso normal em 1971, aos 25 anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro para iniciar os estudos na UFRJ, cursando Letras.
No início da década de 1980, a então universitária entra em contato com o grupo Quilombhoje, coletivo cultural e editorial de São Paulo, e dá o passo decisivo para sua formação literária. No ano de 1990, Conceição Evaristo estreia na literatura participando da série Cadernos Negros, publicada pelo Quilombhoje. Na mesma época, colabora com a obra Contos Afros, lançada pela mesma organização. A partir daí, Conceição Evaristo dedica-se à literatura e passa a colaborar em diversas publicações, seja em verso ou prosa.
Em 2003, a escritora lança seu primeiro romance, Ponciá Vicêncio, considerado ainda hoje como o mais importante de sua trajetória. A obra conta a história de Ponciá, mulher negra que desde cedo luta contra um sistema que insiste em massacrar e assassinar, de diferentes maneiras, seu povo. Tratando de temas urgente e delicados, como a escravidão, a opressão de classe e de raça, o romance de Conceição transformou-se rapidamente em um dos clássicos de nossa literatura recente devido à força de sua escrita.
Em 2006, a escritora lança o ótimo Becos da Memória, sobre o dia a dia numa favela prestes a ser destruída na área central de Belo Horizonte. Em 2017, Evaristo lança seu livro de poesias intitulado Poemas da recordação e outros movimentos e, em junho de 2018, oficializa a sua candidatura à Academia Brasileira de Letras, recebendo um voto na eleição que elegeu o cineasta Cacá Diegues.
Ainda não existem detalhes a respeito da obra, em processo de criação e “encomendada” pela atriz Tais Araújo, mas segundo a atriz trata-se de um drama familiar afrocentrado.
A relação de Conceição Evaristo com o teatro não é nova, apesar de ser, digamos assim, “terceirizada”. Diversos grupos de teatro já se dedicaram a estudar, adaptar e levar suas obras aos palcos. No fim de semana dos dias 27 e 28 de março passado, por exemplo, a Cia Teatro Íntimo do Rio de Janeiro apresentou, via Zoom, a obra Insubmissa Negra Voz, baseada na escrevivência de Conceição.
Vale lembrar também o belíssimo Canto de Vida e obra: Conceição Evaristo, espetáculo homenagem do Coletivo Morabeza, que narrou a história da escritora através de uma narrativa literária e musical. Fora estes dois trabalhos destacados, um pela beleza da homenagem feita em 2017 e outro que pode ser conferido gratuitamente no fim de março, é possível encontrar outros tantos trabalhos cênicos inspirados em seus livros ou que homenageiam sua história tão doída quanto inspiradora.
Apesar dessa intimidade com o teatro, Conceição Evaristo nunca escreveu uma história pensada para ser levada ao palco. Se não faltam adaptações de suas obras, faltava, até agora, uma criação da autora no campo da dramaturgia. Faltava, pois nesse ano de 2021 a escritora mineira começou a trabalhar em sua primeira peça de teatro.
Ainda não existem detalhes a respeito da obra, em processo de criação e “encomendada” pela atriz Tais Araújo, mas segundo a atriz trata-se de um drama familiar afrocentrado. Com seu inegável talento e o peso de sua pena, é certo que Conceição Evaristo tem muito a contribuir para a dramaturgia nacional. Nesse momento de angustia, nesses tempos de desespero, o teatro brasileiro precisa de mulheres fortes e insubmissas como a escritora mineira, que podem, através de sua arte e de suas trajetórias, escrever uma nova história de resistência e beleza nos palcos brasileiros.