O pressuposto básico de um reality show de convivência, tal como o Big Brother Brasil, é a ideia de funcionar como um ambiente artificial que revela coisas reais. A imagem dos ratinhos entocados num laboratório é bem justa neste sentido: os participantes do BBB “vendem” seus corpos e suas almas para tentarem nos revelar algumas boas verdades.
Ou seja, quando colocamos pessoas dentro de uma casa isolada tendo apenas uma tarefa, que é conviver entre si, estamos esperando que elas “soltem” algumas informações que são maiores do que elas mesmas. Os estímulos externos (aqui entenda-se: a validação pública de nossas ações) são bloqueados para que os sujeitos presentes na casa consigam, simplesmente, interagir – tarefa que automatizamos no dia a dia, mas é muito mais complexa do que podemos imaginar. Segundo esta lógica, haveria uma ética específica entre as pessoas que se prenuncia à medida em que não há o julgamento alheio.
Este é o pilar em que Big Brother Brasil, assim como outros programas semelhantes, se sustenta. Por isso mesmo, entendemos que romper este pilar seria “contaminar” o experimento. É esta a razão pela qual o programa tenta ter regras rígidas quanto a interferências externas. Vale lembrar da polêmica do BBB 21, quando o participante Caio teria recebido uma mensagem da família com alguma mensagem cifrada.
Os estímulos externos (aqui entenda-se: a validação pública de nossas ações) são bloqueados para que os sujeitos presentes na casa consigam, simplesmente, interagir
Se, como diz Arnaldo Cezar Coelho, a regra é clara, mas isso não quer dizer que ela não possa ser burlada – mas apenas pela emissora, é claro. Isto porque temos visto no Big Brother Brasil 22 vários momentos em que alguns ruídos têm entrado nas interações do programa. Chamou muito a atenção quando, no último paredão, o apresentador Tadeu Schmidt levou para a casa, de forma atípica, uma informação privilegiada sobre o jogo.
Ao anunciar que o ator Arthur Aguiar havia sido salvo do paredão, Tadeu falou: “Arthur, você não passou nem perto de sair. Pode relaxar. O cara que, aos olhos da casa, se apresentou como o novo jogador, que fez de tudo pra escapar do Paredão, não correu risco nenhum. Fica tranquilo Arthur, você fica. A disputa foi entre Douglas e Naiara”.
A interação parece propositadamente escolhida para gerar comoção entre os participantes, uma vez que, historicamente, há a regra de jamais levar impressões externas para o programa, pois elas contaminariam o “jogo” – que, no caso, são as estratégias que cada brother irá usar para conseguir sobreviver até o fim do programa. No meio dessas estratégias escoa aquilo que há de mais valioso no BBB, que é poder termos um relance de quem essas pessoas são bem no íntimo.
A casa de vidro
Por que a Globo quebra uma de suas regras mais importantes? Não há respostas oficiais, mas isso não nos impede de formar hipóteses. A mais forte, na minha opinião, é bem óbvia: para “colocar fogo no parquinho”, como dizia o bordão de Tiago Leifert.
Big Brother Brasil 22 completou o seu primeiro mês de transmissão (ou seja, completou 1/3 de sua duração) sofrendo duras críticas do público quanto à falta de conflitos entre os participantes – em um movimento interno, capitaneado por Tiago Abravanel, por um BBB mais “positivo”. Há um equívoco aqui bem básico de entender “conflito” como briga. Se Abravanel tivesse se preparado minimamente para esta empreitada no BBB, teria estudado narrativa e entendido: não há qualquer história sem conflito.
Por isso, a intervenção da Globo aponta, talvez, a uma tentativa (desesperada?) de criar esses conflitos mínimos. A estratégia da chamada “casa de vidro” (a ideia de colocar participantes num quarto de vidro para que o público escolha se eles entram ou não dentro do programa, enquanto ele está andando) tem naturalmente este toque de interferência artificial.
Mas em 2022, houve uma novidade: os participantes da casa de vidro foram colocados dentro da casa “oficial” do programa, o que os leva a manter interações com os brothers e carregar informações sobre a audiência que, mesmo que eles não entrem no BBB, ficarão lá. Há um impacto fortíssimo no jogo. Veja, por exemplo, que o casal PA e Jade só se formou após um comentário da participante Larissa na casa de vidro, dando a sugerir algum impacto positivo do encontro entre os dois. Além disso, os dois membros da casa de vidro carregaram até os participantes uma repercussão do público de uma suspeita de racismo, gerando várias preocupações entre eles.
No momento em que redijo este texto, ainda não sabemos se os participantes Larissa e Gustavo entraram ou não no BBB (a decisão se daria por votação do público). Ouso dizer que a produção talvez nem tenha a intenção de aumentar o número de participantes da casa, e que talvez os dois tenham sido colocados apenas como peões para mexer no jogo e talvez salvá-lo.
O quanto isso tudo impacta na graça de assistir ao Big Brother Brasil, é algo que só saberemos a médio e a longo prazo. Porém, vale dizer que a interferência explícita de Boninho lembra muito o que Silvio Santos fazia na saudosa Casa dos Artistas. SBT e Globo talvez não estejam tão distantes assim.
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