Se Godzilla (1954) serve de metáfora sombria para a tragédia nuclear, Mothra, a Deusa Selvagem (1961) é uma colorida alegoria sobre esperança. Mistura de ficção científica e fantasia, essa ambiciosa fita de Ishirô Honda se tornou um ponto de virada para o cinema kaiju no Japão.
De acordo com os pesquisadores Steve Ryfle e Ed Godziszewski, a obra da Toho marca o momento em que os monstros gigantes passam a ser mais amigáveis e voltados para um público mais amplo. Leia-se: crianças. Gorgo (1961), de Eugène Lourié, seguia pelo mesmo caminho, ainda que tenha marcado o fim da popularidade do gênero no Ocidente.
Em Mothra, a Deusa Selvagem, um grupo de exploradores descobre uma ilha que foi sede de testes nucleares. Seus habitantes, no entanto, estão vivos e bem. Isso graças ao poder de duas pequenas fadas, que são guardiãs de uma lagarta gigante. Quando elas são sequestradas por um ganancioso executivo, o grandioso inseto parte em busca delas deixando um rastro de destruição pelo Japão.
Originalmente baseado em uma história literária, o longa-metragem de Honda nunca se apresenta como uma narrativa de horror. Embora Mothra, de fato, seja uma força de destruição, sua presença na tela evoca um alerta para a ganância humana. Os heróis entendem suas motivações, tal qual o público – que é tensionado a ter empatia pelo monstro.
O visual criado por Honda e o técnico de efeitos visuais Eiji Tsuburaya impressiona ainda hoje. Há detalhes nas miniaturas e muito cuidado com as cenas de destruição. É um filme, para todos os efeitos, bonito. Um aceno para a inocência que passaria a marcar o cinema kaiju, mas sem apelar para as cenas de luta-livre, que dominariam o gênero a partir de King Kong vs. Godzilla (1962).
Ao longo das últimas décadas, Mothra se tornou o segundo personagem mais celebrado da Toho.
Evidentemente essa é uma percepção de quem está mais familiarizado com esse tipo de produção. Quando estreou no Brasil, em 1963, Mothra, a Deusa Selvagem foi duramente alvejada pelos críticos dos cadernos culturais. No Jornal do Brasil, o comentarista José Carlos Avellar definia o então lançamento como uma obra medíocre, pobre e sem originalidade.
“O monstro não chega a assustar ninguém, nem quando lagarta, nem quando se transforma numa enorme borboleta. E as destruições de edifícios, pontes, torres e os maremotos e tufões que ele causa provocam riso pelo primarismo das maquetes. Em verdade, a única destruição lamentável que o monstro provoca é a da paciência do espectador”, escreveu o jornalista. Mal sabia ele que o gênero estava, ali, com um dos seus maiores clássicos.
Ao longo das últimas décadas, Mothra se tornou o segundo personagem mais celebrado da Toho. Um parceiro e, em diversas ocasiões, também um rival de Godzilla. Sua antítese, que surgiu para levar o cinema kaiju japonês para além da alegoria sobre os efeitos devastadores de um ataque nuclear.
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