Série produzida pela Prime Video, plataforma de streaming da Amazon, Uma Equipe Muito Especial propõe a ousadia de mexer em um clássico. Bem, talvez o filme original de 1992 (com Madonna, Tom Hanks e Geena Davis nos papéis principais) não seja bem um clássico stricto sensu, mas é sem dúvida um filme que guarda um lugar afetivo na memória de muita gente.
E o que haveria de tão incrível em uma história que acompanha um time feminino de baseball nos Estados Unidos, na década de 1940? A recriação do filme, agora em forma de série, parece trazer uma resposta bem clara a esta questão. Uma Equipe Muito Especial é uma obra notável porque consegue, a partir do esporte como pano de fundo, discutir temas cruciais na vida não apenas das mulheres, mas das minorias sociais.
A primeira temporada da série, com 8 episódios, é produzida e estrelada por Abbi Jacobson, uma das metades de Broad City, um dos mais originais programas de comédia já criados. Ela encara esta empreitada ao lado de Will Graham, showrunner de Mozart in the Jungle, e consegue oxigenar a história 30 anos depois com questões contemporâneas que claramente já existiam desde o início do século XX.
‘Uma Equipe Muito Especial’: foco na diversidade e nas sutilezas
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A série se centraliza em um time de baseball, as Rockford Peaches, que é juntado por um patrocinador para jogarem dentro de uma nova competição, a All-American Girls Professional Baseball League. Uma vez que as mulheres da época certamente não tem nenhum espaço no esporte (e, em geral, no mercado de trabalho), é preciso fazer testes com amadoras do país inteiro para formar a equipe.
A história central gira em torno de Carson Shaw (papel de Abbi Jacobson), uma dona de casa interiorana cujo marido está lutando na Segunda Guerra Mundial. Ao invés de esperá-lo em casa, como seria o habitual de uma esposa “correta”, ela resolve seguir a própria paixão e consegue entrar no Peaches. Ao lado dela, outras mulheres com suas histórias. Entre elas, estão Greta (D’Arcy Carden, de The Good Place) e sua amiga Jo (Melaine Field), a mexicana Lupe (Roberta Colindrez, de I Love Dick), a canadense Jess (Kelly McCormack), claramente genderfluid, ainda que o termo não existe nesta época.
Entrar no time é, para cada uma delas, como abrir as janelas para um mundo que está lá fora. Carson, em especial, vai descobrir que seu desinteresse geral pelo seu casamento (com um homem que é seu melhor amigo de infância) pode ter a ver com a sua bissexualidade que se manifesta quando ela se apaixona por Greta. Ainda que a moça retribua o interesse, haverá muitos empecilhos para que esta história siga adiante.
A complexidade das personagens sugere que as tramas aqui envolvam vidas percorridas entre o preconceito e o orgulho, o abuso e a conquista da própria autonomia e libertação do passado.
Ao mesmo tempo da trama das Peaches, há uma história paralela rolando, e ela envolve Max (Chanté Adams), uma jovem arremessadora de talento mas que não consegue uma chance no time por uma única razão: ela é negra.
Ao redor dela, desenvolve-se uma trama que quase funciona como uma segunda série, com personagens específicos. Além de lidar com o racismo cotidiano, Max precisa enfrentar também a rejeição de sua família à sua homossexualidade, ainda não assumida publicamente.
A homofobia vigente na época (que chama os homossexuais de freaks) se simboliza no fato de que sua mãe escanteou sua irmã Bert, que se assumiu como um homem trans e foi seguir sua vida.
A jornada de Max, para além de um futuro no baseball, tem a ver com a busca para aceitar a si mesma, por mais que isso signifique abrir mão de várias coisas. É um arco bonito e defendido com bravura por Chanté Adams, além de ser desenvolvido com muita delicadeza pelo roteiro.
Uma série que homenageia a luta LGBTQIA+
O resultado de Uma Equipe Muito Especial é uma remontagem muito inspirada. Penso que talvez uma das razões para isso possa ter um fundo pessoal: a própria Abbi Jacobson, por ser membro da comunidade LGBTQIA+, pode ter tido a intenção de homenagear a história de lutas desta minoria.
Isto aparece em vários momentos na série. A complexidade das personagens (como os dilemas de Carson e as dinâmicas entre Lupe e uma jogadora cubana jovem, Esti) sugere que as tramas aqui envolvam vidas percorridas entre o preconceito e o orgulho, o abuso e a conquista da própria autonomia e libertação do passado.
Vale destacar, ainda, que a série busca fazer um cenário de uma época em que ser homossexual era crime. Parte da preocupação dos pais tinha a ver com não querer que seus filhos fossem presos. Há várias jogadoras lésbicas entre as Peaches, e elas vão encontrar algum lar em um bar clandestino frequentada por pessoas gays, cujo proprietário é um homem trans vivido por Rosie O’Donnell – que aqui claramente louva o filme original de Penny Marshall, da qual ela fazia parte do elenco.
Toda esta delicadeza, sem deixar de lado o humor, faz com que Uma Equipe Muito Especial saia melhor que a encomenda: é bem mais interessante que a obra original.
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