Fora de temporada, o calçadão de Matinhos pode ser um lugar bem parado. Em noites mais frias, a área comercial mais importante da popular cidade do litoral paranaense atrai apenas algumas famílias locais e eventuais turistas, que frequentam o Centro em busca de lanches e bebidas.
No anoitecer do dia 28 de outubro de 2022, porém, o local estava um pouco mais agitado. Além do clima de tensão provocado pelas vésperas das eleições presidenciais de segundo turno, o calçadão se preparava para receber sua primeira programação de Halloween, que teria uma feira de produtos temáticos, uma Zombie Walk e a primeira edição do Boitatá – Festival Paranaense Itinerante de Cinema de Horror.
Era uma sexta-feira. Agentes da prefeitura e produtores culturais corriam de um lado ao outro para montar uma tela em frente às mesas dos bares da rua, onde seria exibido o filme Descaminhos (2022), do cineasta Armando Fonseca. Originalmente, a sessão deveria rolar dentro da Casa da Cultura de Matinhos, a alguns metros dali. Acharam melhor levar a arte ao povo.
“Aqui fomos um pouco no improviso”, brincou nervosamente Carlos Macagi, um dos idealizadores do Boitatá, enquanto preparava o equipamento. Havia motivo para preocupação: o tempo tinha fechado e poderia chover. Para piorar, uma das caixas de som teve um fusível queimado durante o teste da projeção.
No calçadão, muitas famílias e grupos de amigos bebiam e comiam alheios ao drama da equipe do festival. Em menos de 20 minutos, o longa-metragem estava pronto para ser exibido.
Matinhos fechava o ciclo de dois meses de atividades do evento – que também contou com outras sessões de longas e curtas-metragens, além de oficinas.
Aquela não era a primeira vez que Descaminhos seria exibido no Paraná. A produção, que teve sua estreia no Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa) deste ano, já tinha rodado outras três cidades do estado: União da Vitória, Marechal Cândido Rondon e Rolândia. Todas como parte do roteiro de programação do Boitatá.
Matinhos fechava o ciclo de dois meses de atividades do evento – que também contou com outras sessões de longas e curtas-metragens, além de oficinas. Durante esse período, a organização conseguiu levar nomes importantes do horror nacional para fora da capital paranaense, como é o caso dos cineastas Kapel Furman, Petter Baiestorf e Paulo Biscaia Filho; dos pesquisadores e críticos de cinema Carlos Primati e Marcelo Miranda; e da maquiadora e cineasta Ales de Lara. A atriz Débora Munhyz, do curta Amor Só de Mãe (2003) dirigido por Dennison Ramalho, foi homenageada em Rolândia.
Naquele 29 de outubro, o convidado do Boitatá era o próprio Armando Fonseca, que tinha voado de São Paulo para participar da sessão. Ele assistiu ao filme de uma das mesas de rua, enquanto revelava alguns bastidores da produção ao mediador do bate-papo que ocorreria após a exibição – que era eu, no caso.
Descaminhos é um projeto originalmente concebido a partir das experiências cênicas do Grupo de Teatro do Instante, de Brasília, cidade natal de Fonseca. O cineasta foi convidado a reunir alguns trabalhos dos atores e conceber um roteiro que pudesse ser rodado na capital do país e em uma fazenda do Tocantins. A história, que tem uma natureza fragmentada, mostra a reunião de um grupo de amigos após uma tragédia pessoal na vida de uma delas. Há momentos lisérgicos, insinuações de sexo e assassinatos. Bem ao gosto dos demais trabalhos do diretor, conhecido por A Percepção do Medo (2016) e Skull – A Máscara de Anhangá (2020).
Algumas dezenas de pessoas estavam de olho na tela quando os créditos subiam. Muitos viram a obra apenas porque estavam nas mesas dos bares e lanchonetes, despretensiosamente. Depois da sessão, Armando contou sobre a experiência de gravar no Norte do Brasil, explicou algumas de suas referências e mergulhou numa discussão com o público sobre os desafios de trabalhar com cinema no país.
Por sorte, não choveu naquela noite.
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Mas choveu no dia seguinte, o que atrapalhou a realização da primeira Zombie Walk de Matinhos. Doca Soares, que liderou por anos a caminhada dos mortos-vivos de Curitiba, viajou até a cidade para ajudar a tirar o projeto do papel. Conseguiu apenas acompanhar o aquecimento para a festa antes da tempestade.
A equipe do Boitatá passou por alguns apuros no dia 29 também. Acabou a luz. Logo na noite em que seria exibido Amor Só de Mãe e o clássico nacional A Hora do Medo (1986), de Francisco Cavalcanti, na Casa da Cultura. A energia voltou cerca de uma hora antes da sessão, o que garantiu à cidade litorânea mais uma noite de horror.
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