Anos atrás, o músico João Gordo conversava com um entrevistado em seu programa na MTV Brasil, quando proferiu uma frase que transcrevo à minha maneira: “música de ‘corno’ vende, ninguém quer musiquinha feliz”.
Por mais torta que pudesse ser a afirmação do líder do Ratos de Porão, ela não estava de todo errado. Ao menos é o que sugere um estudo conduzido pela Durham University.
Feita com 2436 pessoas no Reino Unido e Finlândia, a pesquisa tinha por objetivo explorar as razões pelas quais ouvimos música triste. Coordenada pelo professor de Cognição Musical do Departamento de Música da instituição, Tuomas Eerola, a pesquisa demonstrou como a música é uma maneira das pessoas regularem seu humor, prazer e dor.
Não é a primeira abordagem do assunto, como mostrou a pesquisadora Cher McGillivray, em artigo no The Conversation. A própria Durnham University já havia aplicado um estudo, em 2016. “As descobertas têm implicações para a compreensão da natureza paradoxal do prazer de emoções negativas nas artes e na ficção”, afirmou a coautora do estudo, Henna-Riikka Peltola, da Universidade de Jyväskylä.
No seu mais recente álbum, Midnight, Taylor Swift revela a batalha que trava com suas próprias inseguranças. No single “Anti-Hero”, por exemplo, Swift despeja toneladas de crueza emocional. Em sua conta no Instagram, a cantora compartilhou com os fãs que o medo de não poder ser apenas ela e o peso que carrega por sentir que não controla a própria vida, permearam a elaboração de Midnight. “Acho que nunca mergulhei tanto e com tantos detalhes nas minhas inseguranças como agora”, disse.
A imagem do anti-herói foi eternizada pela ficção através da construção de personagens sombrios e complexos, cuja moralidade poderia ser questionável, ainda que estivessem carregados de boas intenções.
Nesse lugar obscuro, “o lado escuro da lua”, residiriam as dores e angústias, elementos que estão no cerne não apenas do novo disco de Taylor, mas em grande parte de sua discografia – e de inúmeros outros grandes artistas, a lista soaria infinita.
Mas ao invés de ignorá-los, a cantora os revisita, como uma criança que toma coragem, pega uma lanterna e sai a explorar o escuro, uma “jornada através de terrores”, como escreveu Swift em sua conta no Instagram. Como entender essa paradoxalidade?
Música triste, ouvinte feliz
A arte influência diretamente nossa paz de espírito. No caso da música, ela é capaz de moldar a forma como lidamos com a dor. Canções com temas traumáticos, então, sugerem uma identificação com o ouvinte que passa por algo semelhante.
Naquele instante, a mente humana se sente compreendida e acolhida, não julgada. Ou seja, ao invés de uma resposta manifestada de modo negativo (violência, ira ou raiva), nos distanciamentos da dor, refletimos sobre o que se passa e seguimos adiante.
A música fornece uma saída criativa para reescrever uma nova história de enfrentamento do medo, do passado, para tornar a enxergar as coisas boas da vida.
Para psicóloga Janina Fisher, especialista em tratamentos de traumas psicológicos, essa é uma luta extremamente necessária. “A autoalienação de partes de nós, das quais temos medo ou vergonha, gera autorrejeição”, afirma. “[No caso de Taylor Swift], as partes que ela diz que mais odeia em si mesma são as que poderiam criar mais sofrimento psicológico [se alienadas]”.
Segundo a pesquisadora, autora do livro Transformando o legado vivo do trauma: um manual para sobreviventes e terapeutas, expressar suas dores seria o ponto inicial para fazer fluir as emoções. A música seria, justamente, a ponte de reconexão com o eu, com as partes de si que você não gosta.
Em outros termos, a música fornece uma saída criativa para reescrever uma nova história de enfrentamento do medo, do passado, para tornar a enxergar as coisas boas da vida.
Sob a perspectiva dos músicos, cantar suas dores, tristezas e traumas seria uma espécie de terapia, “um aprendizado para lidar com emoções e sentimentos muitas vezes complexos. E, ao fazer isso, iluminar o ouvinte a trabalhar com sua própria dor”, sugere McGillivray.
Por isso, quando músicos cantam que profundidade seus dilemas e angústias, eles reafirmam nossa própria experiência. Em termos psicológicos, envolver-se com o trauma na arte conduz o ouvinte do papel de “vítima das circunstância para vencedor”, alguém que se resgatou de uma batalha sentimental.
Música e saúde mental estão diretamente conectadas
No artigo “A conexão entre arte, cura e saúde pública: uma revisão da literatura atual”, os pesquisadores Heather Stuckey e Jeremy Nobel exploram a relação entre quem se envolve com artes criativas e a maneira que isso impacta a saúde.
As evidências da eficácia na redução de resultados fisiológicos e psicológicos adversos a partir de intervenções baseadas em arte são conhecidas, mas a extensão da melhora ainda é desconhecida.
Para a professora assistente da Bond University, Cher McGillivray, cantores como Taylor Swift, que escrevem sobre seus traumas, conseguem obter melhoras na saúde mental, pois estão em busca de compreender a si mesmos, de mudar padrões de comportamento, pensamentos, e até de buscar novas formas de pensar sobre si e os outros, afirmação que se conecta com a pesquisa de Stuckey e Nobel.
“A música pode acalmar a atividade neural no cérebro, o que pode levar a reduções na ansiedade, ajudando a restaurar o funcionamento eficaz do sistema imunológico, em parte por meio das ações da amígdala e do hipotálamo”, apontam os pesquisadores. “Como os níveis de atividade dos neurônios diminuem em resposta aos efeitos calmantes da música, pode haver reduções nos sinais enviados para outras partes do cérebro”.
Já é conhecido o efeito da musicoterapia na redução significativa da depressão e na ansiedade. Tanto para quem ouve como para quem canta, contar sua história por meio de de uma narrativa de sofrimento pode ajudar a reduzir seu impacto emocional.
Impulsionaria, ainda, segundo McGillivray, o fato de que a universalidade da música dá a oportunidade de que ouvinte e cantor sejam protagonistas da história de sua vida, de vê-la sendo vivida de modo heroico.
“Os psicólogos entendem que a maneira mais rápida de entender alguém é através de suas feridas, e os músicos também entendem esse poder da música para confortar, consolar, encorajar e exortar a si mesmos e a outros corações partidos”, afirmou ao The Conversation.
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