Chegou, por fim, a prova dos treze (ou melhor, dos vinte): a muito anunciada edição 2020 do Big Brother Brasil, aquele programa sobre nada que amamos odiar, ou odiamos amar. Em duas semanas exibidas desta temporada, já deu para gerar alguma expectativa positiva. Parece haver alguns acertos no elenco, uma vez que conseguiram reunir um monte de pessoas bem propensas a fazer muito oversharing e a compartilhar a própria intimidade em troca do tão sonhado prêmio (a visibilidade trazida pelo programa e as supostas recompensas que ela traz).
Cercado de desconfiança sobre um possível desgaste desse formato de reality show – instalada especialmente depois do fracasso, em vários sentidos, da edição de 2019 -, o programa retorna arriscando alguma inovação para reconquistar fãs. A principal delas, é claro, é o afrouxamento de uma das premissas básicas do BBB, que é dar palco a pessoas anônimas apenas. A edição divide seu elenco entre “celebridades” (intitulados de “camarote”) e “civis” (chamados de “pipoca”). Sendo assim, metade dos participantes já chega com meio caminho andado: são pessoas que largam na frente pois têm uma boa legião de fãs no mundo digital (a influencer Boca Rosa, por exemplo, tem 9 milhões de seguidores no Instagram).
E que tipo de estratégia é essa? Aposto na resposta mais óbvia: é uma tentativa de se aproximar de um público que já não tem a TV como sua referência última, e que participa de uma outra lógica midiática, centralizada nas redes sociais. Se outrora as estrelas globais eram tidas como espelho (o único possível) à população, há hoje um mundo de celebridades exclusivas da internet e que se engajam em uma ilusão de maior proximidade com sua audiência.
Há, portanto, um investimento em angariar também esse público, ofertando a ele uma vantagem que só um programa estilo Big Brother pode ofertar: a promessa de “vida real”, de ver seu ídolo “como ele é”, quando ele não está preocupado em performar, em escolher filtros, e aquilo que ele tem dentro acaba escapando para uma das câmeras da Globo. Não por acaso, há até o uso de celular dentro da casa do BBB, possibilitando que os brothers gerem fotos e stories que são aproveitados nas redes sociais da própria Globo – estendendo a participação no programa para além da TV.
O investimento em webcelebs e famosos em geral levanta um interessante paradoxo: se colocamos pessoas que são profissionais da performance, treinadas para exibir o seu melhor, já não há uma perda irreversível no quesito autenticidade?
No entanto, o investimento em webcelebs e famosos em geral levanta um interessante paradoxo: se colocamos pessoas que são profissionais da performance, treinadas para exibir o seu melhor, já não há uma perda irreversível no quesito autenticidade? Se estou assistindo a pessoas que são verdadeiros atores na sua vida cotidiana, como é possível que eles não estejam calculando todos os passos? O efeito, creio eu, é justamente o contrário: exatamente por serem extremamente performáticos, esses profissionais da imagem se tornam atrações irrecusáveis para a “casa mais vigiada do Brasil”, uma vez que já ofereceram muito de si (sempre no âmbito do controlado, do protocolar) e há muito material para contrapor, pelos verdadeiros fãs, com o “eu real” que escapa no BBB. Quanto mais alto se sobe, de fato, mais baixa é a queda – e mais “autêntica” a pessoa se torna quando destoa do personagem que a sustenta.
É importante destacar que, depois de 19 anos de BBB, a entrada de famosos serve como sintoma final de uma mudança definitiva do protocolo midiático, e insere o programa, sem qualquer dúvida, na esfera do marketing. Os participantes conhecidos entraram na casa com um verdadeiro planejamento estratégico de suas ações do lado de dentro e de fora da casa. Do lado de fora, boa parte deles deixou vídeos prontos para alimentar suas redes, e algumas participantes, inclusive, usam no reality show looks que são divulgados em suas redes sociais.
A espontaneidade, portanto, não é mais a matéria-prima desse grupo. Por isso mesmo, os participantes “camarote” parecem diferentes potencialidades para o sucesso. Manu Gavassi, que já atuava na Globo, dá a impressão de estar trabalhando para a sua assessoria o tempo todo – e não se “entregando” à trama do BBB. O atleta Petrix, envolvido em várias polêmicas, desponta como o vilão da edição.
Já Boca Rosa, que talvez seja a mais famosa, tem potencial para uma boa personagem de reality show, pois parece afeita ao descontrole e à auto exposição, impulsionada boa parte das vezes pelo álcool. Ela parece ter encontrado uma adversária na trama: a também influencer Rafaela Kalliman, igualmente fotogênica e centrada no domínio da própria imagem. Mas Rafaela, mais controlada (definiu-se como “seca” em certo momento) tende a ter desvantagem nesse duelo, pois oferta pouco de si mesma. Se um dia forem juntas ao paredão, será um momento estilo Superman versus Lex Luthor. Resta saber qual será qual.
De todo modo, a estratégia de investir nos famosos será um bom ensaio para verificarmos se há alguma possibilidade de justiça nesse programa. Um anônimo tem alguma chance de ganhar um paredão contra uma celebridade, ou eles estão ali apenas para manter o aspecto “realidade” do programa? Só o tempo dirá.
Machismo
Mas a maior diversão do BBB, até o momento, tem sido na capitalização quase espontânea que o programa tem feito de uma pauta vigente na sociedade, que são as conquistas femininas e a exposição do machismo. De uma forma muito inesperada, o programa conseguiu reunir um elenco masculino digno de um humorístico estilo pastelão. Os homens, inexplicavelmente, têm usado estratégias já testadas – e fracassadas – em dezenove anos de programa, como se eles nunca tivessem assistido ao BBB. Combinam votos, armam planos mirabolantes (como um suposto teste de fidelidade com mulheres casadas) e comentam sobre as mulheres, julgando-as em termos estéticos, como se ninguém estivesse olhando no mundo aqui fora. Sempre sem camisa, exibindo seus torsos torneados, eles revelam uma autoconfiança desmedida e performam a todo instante como bons machos alfa que são. Tudo de uma ingenuidade (para não dizer burrice) tremenda.
No entanto, a virulência desse time – que parecem saídos de Chernobyl, usando a linguagem dos memes – é o que o torna uma ótima atração para o programa. Conforme discuti na edição 19, vale lembrar que boas pessoas quase sempre (há exceções) não são bons personagens de reality shows. No entanto, esse elenco tóxico tende a esvaziar ao longo das semanas (o surfista Chumbo, do grupo “camarote”, foi o primeiro a sair). E aí restará, de fato, o grande desafio de BBB 20: o que este programa tem a oferecer além de um grande material de conversação sobre a natureza humana e seus conflitos? Por isso, é de se desejar vida longa ao povo Chernobyl, e que ele siga gerando bons embates durante a temporada.