Dentre a diversidade de formatos de reality shows que pululam nas emissoras de todos os países, há um subgênero que eu arriscaria chamar de “reality show normativo”. São aqueles programas que povoam vários canais de TV a cabo que oferecem a incautos participantes a experiência de melhorar de vida, aprimorar aquilo que lhes prejudica, arrumar a casa, o corpo, a cara, a família – em outras palavras, tornar-se mais “adequado” àquilo que a sociedade espera de um indivíduo normal.
Falo de atrações (finadas e existentes) como Extreme Makeover (cirurgia plástica radical para tornar o convidado mais bonito), Queer Eye for a Straight Guy (em que homens gays davam dicas de educação e estilo para homens heterossexuais estilo “ogro”), Super Nanny (em que pais se candidatam a uma aula hardcore de disciplina com uma babá linha dura), Dez Anos Mais Jovem (em que uma mulher é posta em uma vitrine antes e depois de uma transformação para que passantes adivinhem sua idade), o incrivelmente constrangedor S.O.S. Pé na Bunda (em que uma apresentadora oferece apoio “espiritual” e “visual” para mulheres que terminaram um relacionamento). A lista destes programas, que são verdadeiros guilty pleasures, talvez envolva muitas outras atrações perdidas pelas grades.
O reality show Esquadrão da Moda é um destes prazeres que poucos assumem, mas que costumam trazer um pouco de humor despretensioso às noites de sábado – bem naquele horário modorrento em que se está decidindo se vale a pena se mexer para fazer alguma coisa ou se as cobertas (e as atrações televisivas) estão mais convidativas. No ar desde 2009 no SBT, o programa é a versão brasileira de What Not to Wear, originalmente veiculado pela BBC e que ganhou edições pelo mundo. A ideia é muito simples: uma família filma uma mulher que é considerada fora da norma (ou seja: vulgar, brega, sem noção, sem dinheiro, etc.) e envia o vídeo para a produção do programa. Caso seja selecionada, ela ganha uma consultoria de beleza e estilo, além de um cartão de crédito para comprar nas lojas patrocinadoras (que, aliás, parecem não encontrar formas muito sutis de inserção na narrativa do programa). Os “banhos de civilidade” envolvem aula de estilo, compras, cabelo e maquiagem.
A solução está na moda ou, em outras palavras, na disciplina, naquilo que garante a inserção do indivíduo no parâmetro da normalidade.
Esquadrão da Moda também segue uma certa tendência nos reality shows atuais que é contar com jurados (ou mentores) que mantenham um tom extremamente duro, algo sádico, como se dissessem: estou aqui para levá-lo ao seu limite, a dizer apenas a verdade; ao forçá-lo a confrontar-se consigo mesmo, destruo-o ou torno-o melhor. Há, talvez note o leitor, uma certa consonância com os rituais da autoajuda. Os apresentadores, Arlindo Grund e Isabela Fiorentino, são desenvoltos e mantêm sempre um tom entre o sarcástico e o carinhoso com as participantes, garantindo a graça do programa ao espectador, ao mesmo tempo em que oferecem um conforto possível aos seus problemas (a falta de sucesso profissional, a discriminação de amigos e colegas, a dificuldade em ser respeitada, o fracasso na vida sentimental).
Mas onde está a solução possível a todos estes problemas? Aqui chegamos ao âmago das atrações normativas: a solução está na moda ou, em outras palavras, na disciplina, naquilo que garante a inserção do indivíduo no parâmetro da normalidade. Se você quer crescer profissionalmente, use uma cor decente nesse cabelo, ponha um cor menos berrante na maquiagem, vista uma roupa que equilibre seriedade e descontração; sexy, pero no mucho. Se quer que os homens a respeitem, aumente o comprimento dos shorts e nada destas blusas justas que destacam os peitos. Se estiver fora do peso, tudo bem – desde que você faça uso das roupas certas para disfarçar o excesso e tornar-se assim mais aceitável. No mundo regido pelos sistemas cambiantes da moda, parecer (estar adequado, não destoar, não chamar a atenção negativamente) é tão importante quanto ser.
Se a moda, como dizia Roland Barthes, é um sistema de signos, programas como Esquadrão da Moda oferecem a promessa de acesso ao código deste sistema. Por consequência, ser bem-sucedido está ao alcance de quem quiser; basta, claro, ter o passe de entrada (ou seja, estar inserido numa sociedade que preza pelo consumo) e dominar a linguagem da moda.
O discurso sustentado pelo programa é que, perante a moda, todos somos iguais. Ou, em outras palavras, diante da moda, consolida-se a ilusão de que todos temos as mesmas chances. Há um sentido velado de meritocracia (pois, independentemente de quem você seja e da sua história pregressa, “ser alguém” só depende de você, afinal, cabe a você ser bonito, aceitável, estético) e disciplina (pois o caminho do sucesso é encaixar-se, fazer parte, não ser uma nota dissonante da orquestra das ruas).
Por outro lado, como diz Victor Aquino no livro As Leis da Moda, a moda é a redundância de um mesmo padrão estético, mas não a sua repetição – cuja consequência é o efeito contrário, a rejeição da moda (aquilo que todos usam, afinal, sempre deixa de ser desejado). Os reality shows normativos talvez estejam envoltos, por essência, em um certo ar démodé.
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