O humor, como sabemos, é uma ferramenta social extremamente necessária em tempos difíceis. Ele serve, por vezes, como catalisador para momentos de tensão e para conseguirmos dizer o que não é possível dizer explicitamente. Não por acaso, nos anos da ditadura – quando pouco se podia falar em linguagem direta –, a imprensa de humor foi mais profícua. Basta revisitar os principais jornais da época (como o Pasquim) para ver que a nata do humorismo encontrou ali sua melhor expressão dentro do jornalismo.
Hoje os tempos são outros (será?), mas, novamente, encontramos as mesmas dificuldades para falar da política. Se outrora isto se dava pela censura, atualmente, os obstáculos são outros, mais complexos. A polarização da política é um deles: tendemos a observar o mundo como se ele estivesse rachado por uma muralha, que separa esquerda e direita, petralhas e coxinhas. Sendo assim, como falar de política neste ambiente em que nada é levado muito a sério? O programa Greg News, veiculado na HBO, reivindica novamente o humor como único caminho possível para tão ingrata tarefa.
Mas não caia na tentação de categorizar o programa de Gregório Duvivier na caixinha dos petralhas. Resumi-lo a isso é menosprezar o intricado texto construído pelo artista plural (além de roteirista, Duvivier é ator, poeta, cronista e humorista) para falar do Brasil. A própria pecha de petralha, inclusive, é um dos principais temas a serem zoados constantemente em Greg News. E o humor consolidado no programa se dá, sobretudo, por uma complexa trama que envolve um elevado teor cômico e uma crueza na hora de apontar o dedo para os meandros da política.
O programa tem um formato híbrido, que se situa entre o talk show e um stand-up comedy, já que o único personagem de Greg News é o próprio Gregório, e a única interação se dá por meio das risadas de uma plateia que não é enfocada. A inspiração é explicitamente emprestada do Last Week Tonight, apresentado por John Oliver na HBO americana (a falta de originalidade, inclusive, é razão para que Gregório zoe a sua própria atração). Também chamado de late night talk show, é um formato que, em suma, faz uma espécie de compêndio das notícias de um período e as reescreve sob a forma de um texto de humor, resumindo-as (e significando-as) para o espectador. A sátira, portanto, é a marca.
Sendo assim, Greg News não tem um texto fácil (é, possivelmente, o mais denso talk show em exibição nas grades televisivas) e, por isso, tem no humor a sua ferramenta mais relevante. Gregório empresta seu talento para falar de temas escabrosos por meio da leveza inerente no texto cômico. Pelo seu talento, entenda: um texto repleto de referências, de figuras de linguagem (especialmente metáforas, hipérboles, aliterações), diálogo constante com memes (e, portanto, com a linguagem jovem), neologismos (cria a palavra “golpeachment” para rir dos quem os acusam de parcialidade) e comparações esdrúxulas que adquirem sentido por meio da interpretação peculiar de Gregório. Sem sua performance, certamente, Greg News não seria tão engraçado. Em resumo, repete aquilo que já exibe semanalmente nas crônicas que publica na Folha de São Paulo – mas em Greg News, a metralhadora está bem mais carregada.
Mas num país em que tudo é absurdamente nebuloso e todas as certezas foram à terra, um programa como Greg News reivindica uma função absolutamente importante, a qual destacaria como grade trunfo do programa. O programa traz um essencial esforço de síntese para a bagunçada trama política e reivindica um certo papel na escritura da história. Explico: neste caótico cenário de descrença geral, em que sentimos que não podemos confiar mais em nenhum ator político, de alguma forma, Greg News tenta “organizar” o relato da história e resgatar a memória para o brasileiro, um povo esquecido, conforme diz o clichê.
O programa traz um essencial esforço de síntese para a bagunçada trama política e reivindica um certo papel na escritura da história.
Isso se explicita, por exemplo, no episódio “Renan Calheiros” (assista acima), cuja função implícita é justamente significar este personagem “enigma”, um “bombeiro piromaníaco”. “Para entender Renan, tem que estar moleque”, brinca Gregório, trazendo a referência da música do Cidade Negra. A partir desta estratégia, o texto usa gracejos para, em suma, reavivar na mente do espectador – e do eleitor – as tramoias e maracutaias do conhecido/desconhecido político, que sustenta seu poder justamente pelo esquecimento de sua história. Se hoje em dia tudo é meme, o humor também pode ser usado para o resgate da memória de forma mais consistente e menos fugaz.
Mas se bate em Renan, e em tantos outros políticos associados à política de direita, significa que Greg News é petralha? A resposta vem em outro programa, este mais agressivo, sobre o tema “Fake News” (veja abaixo), no qual Gregório já se adianta para responder esta crítica, já um tanto esvaziada. Tira proveito da própria polarização da política para rir das confusões entre fato e opinião. Neste programa mais combativo, sobra chumbo para a burrice do Movimento Brasil Livre, a partir de análises de alguns vídeos divulgados pelo grupo. O fact checking apresentado ao final do episódio, sobre um e-mail enviado pelo MBL a uma integrante do projeto Truco, da agência Pública, é absolutamente hilário.
No fundo, Greg News aponta a uma convicção do próprio Gregório: a de que falar a verdade não significa exatamente ficar em cima do muro. E que, por fim, descer do muro é uma espécie de obrigação da classe artística em tempos de crise política. Se os humoristas – aqueles com esse especial talento de dizer a verdade sem dizer, e que conseguem forjar um elo muito próximo com o seu público – não se encarregarem disso, fogem de um de seus papéis mais centrais.
Veiculado no canal a cabo HBO, todas as edições do Greg News são disponibilizados de forma aberta no canal oficial do YouTube.