OMais Você da última quinta-feira (15) falou sobre as tecnologias na rotina das pessoas. Saindo do campo da imparcialidade, o programa apresentado por Ana Maria Braga defendeu com unhas e dentes o uso da tecnologia e das máquinas no ambiente de trabalho e ocultou os prejuízos que essas podem ocasionar na vida dos trabalhadores.
Sendo rotulada no programa como uma “amiga” dos empregados, a máquina foi utilizada em vários exemplos que visavam demonstrar como o seu uso nas empresas melhora a vida dos trabalhadores e não concorre, tampouco retira o trabalho das pessoas. Os caixas eletrônicos nos bancos, os cardápios digitais em restaurantes, os totens de autoatendimento nos aeroportos, entre outros, foram utilizados para exemplificar.
Além desses, foram explorados outros dois exemplos em duas diferentes matérias. O primeiro foi o dos caixas de autoatendimento em supermercados. A equipe de reportagem gravou a matéria em um supermercado e, para dar embasamento ao posicionamento defendido pelo programa, entrevistou o gerente, que afirmou ter ocorrido mais contratações após a implantação desses caixas, e uma funcionária, que disse ter temido no início desse processo a sua demissão, mas que atualmente havia subido de posto, se encontrando no cargo de supervisora.
O segundo exemplo utilizado pelo Mais Você que destaco aqui foi o investimento de um laboratório em uma máquina que realiza parte do trabalho de biomédicos, biólogos e farmacêuticos na separação e verificação do sangue coletado dos pacientes. O repórter Felipe Suhre chega a dizer que o setor teve uma redução de 5 funcionários, já que o equipamento realiza o serviço, mas afirmou que, como a produtividade foi aumentada, os empregados foram realocados.
A partir disso faço a seguinte análise: não há como negar os benefícios que o uso da tecnologia proporciona à rotina das pessoas. Câmeras de segurança, computadores, smartphones, os instrumentos e equipamentos cada vez mais avançados na medicina, entre tantos outros recursos tecnológicos que, além de otimizar o tempo, facilitam e melhoram a vida e o dia a dia de cada um.
A automatização do trabalho é real. E ainda que com a extinção de algumas profissões outras surjam, não há uma proporção direta.
Entretanto, negligenciar os contras decorridos do uso da tecnologia não é o que se espera de uma abordagem com viés jornalístico. Além disso, foram utilizadas estratégias na construção de uma realidade perfeita, porém inexistente, da tecnologia no trabalho. As entrevistas com a funcionária que teve uma ascensão na empresa depois da implantação das máquinas e com o gerente que afirma ter contratado mais empregados após a implantação dos caixas de autoatendimento são alguns desses recursos estratégicos.
A realidade, todavia, é outra. A automatização do trabalho é real. E ainda que com a extinção de algumas profissões outras surjam, não há uma proporção direta. Ou seja, mais funções são e serão extintas do que as que surgirão. Além disso, a partir dessas novas tarefas, novas qualificações serão exigidas, como mostra uma matéria da Época Negócios. “E as qualificações exigidas a partir de então serão outras, completamente novas, o que elimina as chances da imensa maioria das pessoas conseguir uma recolocação”, diz a reportagem da revista.
Os malefícios gerados pelas tecnologias no ambiente de trabalho, principalmente o desemprego, podem não ser duradouros. Há uma ideia, inclusive, de ciclo, que já vem ocorrendo desde a Revolução Industrial. Mas ignorar e até mesmo negar os contras desse processo como fez o Mais Você é criar um mundo de fantasias, irreal e fugir ao que se propõe uma matéria jornalística, ainda que em um programa de variedades, que é de retratar o real.