Parece não ter limites a quantidade de reality shows que conseguimos assistir. Quando achamos que o formato desgastou e que não há mais o que explorar, aparece um novo produto. A novidade do momento, exibida no canal pago Multishow, da Globosat, é um reality modesto, divertido, mas com certo gosto de “já vi isso antes”.
Os Gretchens promete trazer às nossas casas a rotina de uma família bem conhecida de todos: a cantora/ dançarina Gretchen, seus sete filhos (sendo Thammy, que é transexual, o mais conhecido), seu marido, nora e a irmã (a cantora Sula Miranda, chamada de “a rainha dos caminhoneiros”). Ou seja, um clã já bem famoso no noticiário de fofoca, em notícias nem sempre positivas, já que seus membros são marcados pela superexposição.
O programa é claramente um típico exemplar de uma trash TV, ou seja, de uma televisão que se assume como de baixa qualidade e tenta tirar proveito de uma curiosidade um pouco maldosa da audiência acerca dessas pessoas e vira uma espécie de atração cult. Nesse sentido, Os Gretchens pega carona em Keeping up with the Kardashians, que explora a bisbilhotice na intimidade de uma família famosa justa e simplesmente por ser famosa – o que faz com que a família Gretchen revele exatamente a especificidade da celebridade made in Brasil. Como reality, a maior parte das situações exibidas são pouco críveis, e quase nunca temos a sensação de realmente estarmos espiando a intimidade dos Miranda.
Pois bem, Gretchen, sozinha, já justifica um programa em torno dela. De fato, ela é a atração mais interessante de Os Gretchens. Cativante, Gretchen se fez na mídia mais pela particularidade de seu carisma do que seus talentos. Sua fama se concentrou nas bizarrices em torno de sua vida: as incontáveis plásticas, os inúmeros casamentos, os filmes pornográficos, as músicas de pouquíssimos versos cantados em francês. Em suma, Gretchen é nossa celebridade trash por excelência.
O principal problema de ‘Os Gretchens’ é o fato de que o programa tenta, de uma maneira muito óbvia, explorar a todo custo a fama da internet e força, ele mesmo, uma repercussão na web.
Flertando com o ostracismo e com o submundo da fama, Gretchen passou por uma virada: foi “adotada” e ressignificada nas redes sociais a partir dos memes que passaram a ser criados por suas feições expressivas e quase sempre exageradas. De “rainha do bumbum”, passou a ser chamada de “rainha da internet”. Foi assumida por uma nova geração e subiu, mais uma vez, às alturas do sucesso. A grande coroação dessa nova Gretchen da internet foi o convite para estrelar o clipe de “Swish swish”, da cantora americana Katy Perry.
De tudo isso decorre, no entanto, o principal problema de Os Gretchens: o fato de que o programa tenta, de uma maneira muito óbvia, explorar a todo custo a fama da internet e força, ele mesmo, uma repercussão na web. Tudo neste reality show parece buscar uma reverberação no universo digital: as caras e bocas que Gretchen faz, de forma pouca espontânea; a edição exagerada que encaixa essas caras como reações a cenas, numa montagem totalmente fora de contexto; o fato de que todos os episódios são batizados com memes (como “Seje menas”, “Miga sua louca”, “Apenas pare”); o roteiro que adequa todos os familiares em papéis caricaturados e pouco críveis.
De todo modo, conforme já exposto, não é como se o programa pretendesse ser um grande clássico da televisão brasileira. Dentro daquilo que promete – configurar como um elemento da TV de má qualidade, ao qual assistimos por puro prazer descompromissado –, Os Gretchens se cumpre perfeitamente dentro de sua proposta. Consegue estabelecer personagens que geram alguma discussão para além da telinha.
Há bastante elementos para reverberar nas redes sociais: os conflitos culturais de Carlos, que é português, com os exageros dos Miranda; o aparente recalque de Sula em relação à irmã mais famosa, mas menos refinada que ela (ambas, no entanto, consolidaram suas famas no nicho trash); os conflitos entre Thammy e sua namorada Andressa, que é apresentada como uma espécie de alpinista social viciada em selfies e que tenta escalar na celebridade da família.
Mas não há como discordar: a grande atração do reality show é a própria Gretchen, uma mulher capaz de carregar uma família inteira nas costas. Uma espécie de self-made woman que conseguiu pegar uns poucos limões (os talentos escassos, a vida repleta de necessidades, os relacionamentos fracassados, marcados por situações de abuso) e transformar em uma valiosa limonada – nem que isso signifique, no fim das contas, expor sua vida, mais uma vez, na televisão.