A saída do Programa do Porchat da grade da Record, no fim de 2018, gerou certa frustração no público, embora a atração já estivesse desgastada – em parte, pelo fato de ser diário e bons entrevistados nem sempre estarem à disposição. Para nossa sorte, Fábio Porchat retornou recentemente à televisão, no canal a cabo GNT, com um programa de qualidade a partir de uma premissa bastante simples: o ato de ouvir histórias, o chamado storytelling.
Que história é essa, Porchat? faz o famoso humorista voltar às suas origens num cenário meio soturno, que remete a um teatro de stand-up comedy, com um bar em anexo. As luzes são opacas e o ambiente é intimista. Há uma roda, em que convidados se sentam, junto a Fábio Porchat, cercado por uma arquibancada que faz funções de plateia de teatro, com pessoas sentadas confortavelmente em sofás. No centro, Porchat se senta com convidados que serão “perguntados” (o tom é mais de conversa que entrevista) sobre assuntos diversos. A inovação se dá pelo que entra nessa conversa: indagações cotidianas, pequenas, como “qual a primeira lembrança de sua vida?” ou “que evento histórico você gostaria de ter presenciado?”.
O tom, portanto, é despretensioso, menos voltado à polêmica (o que o distingue, talvez, do Programa do Porchat) e mais destinado à escuta, ao encontro naquilo que temos em comum. Em entrevista no Conversa com Bial, Porchat definiu assim: “em todo lugar a gente vê opinião. As pessoas estão querendo lacrar o tempo todo. Antigamente se lacrava muito em talk show. Agora está se lacrando no programa da Fátima Bernardes, na Luciana Gimenez, na internet… A gente está vendo muita opinião, mas o melhor de tudo são as histórias que a gente conta”. Assim, Que história é essa, Porchat?, que se define como um talk show subvertido (pois busca o mínimo do causo, e não o máximo da polêmica), se apresenta enquanto um respiro à “lacração” e ao excesso que se tornou boa parte das movimentações feitas em redes sociais. Vai, então, na contramão do “império da opinião” no qual vivemos hoje.
O nome bonito disso que Porchat fala é storytelling, mas nada mais é que a busca de pessoas que saibam contar bem suas histórias e tenham o poder de cativar pela fala. Não por acaso, entre os convidados há sempre comediantes: Porchat já recebeu, desde a estreia, gente como Welder Rodrigues, Marcius Melhem, Lucio Mauro Filho, Dani Calabresa, Marcos Veras e Katiuscia Canoro, entre outros. Eles sentaram e beberam junto com demais convidados para confabular sobre a memória naquilo que lembram de mais engraçado e inusitado de suas vidas. A plateia, em certo momento da atração, também é convidada a compartilhar suas vivências, e desse momento surgem as jóias mais raras: histórias pequenas, de gente comum – e por isso mesmo, as melhores.
Porchat então atua entre um misto de “facilitador” (cuja função é provocar as falas durante o encontro) e ele mesmo um participante, uma vez que é bastante engraçado e também tem o dom de cativar pelas histórias. Ao fim das contas, Que história é essa, Porchat? ajuda a comprovar que todo mundo tem um pouco de Sheherazade, a famosa personagem de As mil e uma noites que consegue sobreviver diariamente a partir do fascínio causado por sua fala.
‘Que história é essa, Porchat?’ ajuda a comprovar que todo mundo tem um pouco de Sheherazade, a famosa personagem de As mil e uma noites que consegue sobreviver diariamente a partir do fascínio causado por sua fala.
Pensado de uma forma estratégica, em quadros que podem ser vistos isoladamente, o formato de Que história é essa, Porchat? facilita seu compartilhamento via redes sociais. Como pontuou Maurício Stycer, o programa também tem o trunfo de ser atemporal, desatrelado da agenda do dia, o que deve favorecer que seja também exibido na Rede Globo, como o Lady Night de Tatá Werneck.
Com um mês no ar, Que história é essa, Porchat? já veiculou pérolas maravilhosas, de humor e comoção. Silvero Pereira contou, lindamente, sobre sua infância pobre em que sonhava em ter uma emissora de televisão, e do menino afeminado alvo de bullying (inclusive dele) que o inspirou a ser quem é. Lucio Mauro Filho contou um episódio bonito de quando correu atrás de pinguins na Patagônia para não decepcionar o filho. Preta Gil e Katiuscia Canoro revelaram histórias engraçadas dos crushes que tinham com os cantores do Menudo, alvo da devoção de praticamente todas as meninas crescidas nos anos 80.
Até aqui, alguém talvez possa pensar: mas se o programa depende das boas histórias dos outros, então Porchat tem algum mérito? Certamente sim, uma vez que ele é peça fundamental para guiar os participantes a falarem, como um condutor de uma orquestra. Engraçado quando fala e quando ouve, Fábio Porchat tem as características fundamentais a bons “escutadores”: parece sinceramente interessado nos interlocutores.
Inspirado e bem executado, Que história é essa, Porchat? promete bons momentos à audiência televisiva. Com o tempo, deve mostrar se tem ou não potencial à longevidade – vale dizer que parte do esgotamento do Programa do Porchat se deveu à falta de bons convidados. Por enquanto, o novo programa tem a vantagem de ter à disposição todo o elenco da Globo, coisa que Porchat não tinha na Record. Saberemos, então, se a sedução pela fala é um talento para poucos. Ou então irá provar que, se bem provocados (e Porchat é um bom provocador, vale lembrar), talvez sejamos todos meio Sheherazade.