Cena de um teaser (veja abaixo) do novo programa de Fábio Porchat, que estreará em agosto na Rede Record: assoberbado, o comediante chega atrasado a uma reunião com os produtores. Lista sua estratégia para divulgação da estreia: visitar os programas do Faustão, Ana Maria Braga, o Videoshow e, por fim, o Jornal Nacional. Um produtor chama a atenção para o fato de que ele lista apenas estrelas da Globo, mas que “a gente está na Record”. Surpreso, Fábio põe as mãos na cabeça e sugere ter assinado um contrato com a emissora sem saber que se tratava dela – subentende-se que firmar compromisso com a Record seja um sinônimo de decadência e fracasso, e não o contrário. Encerra-se o esquete com sucesso, com esta espécie de auto piada.
A repercussão nas redes foi positiva, e parece trazer bons agouros ao programa de Fábio Porchat e à sua transição da “porta dos fundos” da internet (literal e metafórica) para as grandes mídias. O famoso canal de humor da internet tem como marca justamente a provocação, a desconstrução dos valores da “tradicional família brasileira”, uma certa agressividade na defesa das visões de seus autores.
A migração de um dos seus principais nomes, Porchat, a uma emissora hegemônica é, sem dúvida, algo a ser visto com desconfiança pelos fãs do Porta dos Fundos. Complica ainda mais o fato de que a emissora que o conquistou foi justamente a conhecida pelos seus explícitos valores morais e religiosos (pontuaria, inclusive, que alguns dos esquetes mais engraçados do Porta são os que zoam histórias bíblicas).
Chama a atenção, no entanto, a estratégia muito inteligente usada pela emissora, a da auto depreciação, e pelo fato de que ela tem se tornado cada vez mais frequente na televisão. Vejamos, por exemplo, que a própria Record liberou uma de suas estrelas, Xuxa, para participar de um quadro do Porta dos Fundos em que é, de alguma maneira, esquecida pelos espectadores e menosprezada por ser hoje uma contratada da emissora.
Esta espécie de franqueza sobre seu lugar no mercado da televisão é típica, por exemplo, de Silvio Santos em seus programas – em parte, talvez, pelo avançar de sua idade e da morte de várias “travas sociais” que o impediam de dizer certas coisas; mas também é, sem dúvida, uma estratégia legitimada pela própria emissora (vale lembrar, por exemplo, que seu programa não tem transmissão direta e muitas de suas falas poderiam ser cortadas pela edição).
Há aqui um sintoma interessante sobre a mídia televisiva, que é o fato de ela estar sempre condizente com o seu público, cada vez mais crítico – ou que pelo menos assim se considera. Mesmo no mais hegemônico dos veículos de comunicação, a própria ideia de subversão é domesticada, vira commodity, passa a ser um produto como tantos outros. Basta ver o sucesso angariado por um programa como Tá no Ar, que garante boa repercussão justamente por parodiar criticamente a própria tevê. Fica a provocação: a TV que denuncia a má qualidade televisiva está necessariamente fora desta crítica?
Há aqui um sintoma interessante sobre a mídia televisiva: mesmo no mais hegemônico dos veículos de comunicação, a própria ideia de subversão é domesticada, vira commodity.
Por esta razão, não à toa há uma atração irresistível quando algo parece de fato sair do controle da televisão – o que não é a regra e, certamente, não é o que acontece na crítica à Record feito no vídeo de Fábio Porchat. Refiro-me a outro episódio decorrido recentemente, que foi a espécie de “explosão” do apresentador Faustão durante o seu programa, quando soube o ginasta Diego Hypolito não poderia participar de um quadro. Faustão teceu duras críticas ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, a quem chamou de imbecil.
Seu desabafo se deu ao vivo enquanto dividia o palco com outros atletas olímpicos, que pareciam embasbacados. Na sequência do programa (possivelmente após alguma negociação feita por sua produção), Faustão retomou o assunto com um tom de retratação ao COB.
Curiosamente, o tom de retratação apenas reitera alguma autenticidade ao episódio. Sendo Faustão um apresentador conhecido, e um dos maiores símbolos da má qualidade da TV brasileira, torna-se mais fácil acreditar que seu chilique é genuíno. Por fim, é importante notar que “ao vivo” não necessariamente garante convicção quanto àquilo que se diz ou sobre o que se critica. De alguma forma, o rompante ao vivo deste domesticado membro do establishment televisivo parece bem mais subversivo que a rebeldia de Fábio Porchat ou de Xuxa na Record.
A Record sabe da desconfiança do público quanto ao novo programa e promete, em entrevista com Fábio Porchat no próprio site da emissora, interferência zero no seu processo de criação. É uma promessa irrealista, é claro, mas ainda assim interessante. Sem dúvida, o tom do programa de Porchat falará muito sobre como a mídia televisiva está conseguindo (ou não) compreender o que quer a sua audiência.