Em sua terceira temporada no canal Multishow, o talk show Lady Night se encerra deixando uma questão retórica ecoando em minha mente. Por que, afinal, Tatá Werneck é uma comediante tão boa? O que ela tem de tão especial que nos deixa mesmerizados frente a essa atração híbrida – uma mistura de talk show de entrevistas com show de improvisação – baseada, basicamente, num humor nonsense, que arranca risadas por meio das cenas mais a’Lady Night’, do Multishow, é perfeito para o humor subversivo de Tatá Werneck, que arranca risadas ao transpor o limite do que se espera a uma mulher.bsurdas possíveis?
Considero a pergunta relevante porque, se formos observar com cuidado, veremos que não há uma grande tradição de comediantes mulheres no Brasil. Há muito mais destaque entre homens no panteão do humor nacional – gente como Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcanti, Jô Soares, Ronald Golias, Marcelo Adnet – e as mulheres, em grande parte, quando não serviram de escada a esses homens, são a exceção.
E é aí que chego à particularidade do humor de Tatá Werneck, que é trazer à televisão algo extremamente raro (e caro) às mulheres: a possibilidade de rir de si mesma, a escrachar-se, a fazer piadas tidas como sujas (metafórica e literalmente) e, em suma, a mostrar-se como uma mulher sexualmente ativa. Conforme já havia comentado na segunda temporada do programa, Tatá tem um humor raro que a torna especialmente hilária. Ela flerta, intencionalmente ou não, com ícones como Dercy Gonçalves (que fazia rir apenas emitindo palavrões descontroladamente) e com as comediantes americanas Ilana Glazer e Abby Jacobson, da série Broad City, cujas gagues versam em cima de uma escatologia hilária, pois é totalmente inesperada a elas (as piadas vão desde frustrações sexuais a barulhos indesejáveis emitidos pelo corpo).
E é aí que chego à particularidade do humor de Tatá Werneck, que é trazer à televisão algo extremamente raro (e caro) às mulheres: a possibilidade de rir de si mesma, a escrachar-se, a fazer piadas tidas como sujas e, em suma, a mostrar-se como uma mulher sexualmente ativa.
Na terceira temporada, não há grande renovação: Tatá continua apostando naquilo que faz de melhor. O aspecto “felino” continua destacado – a começar pelo cenário, que traz a ideia de uma “gata no cio” que sobe nos telhados e nos revela, a cada episódio, que o humor pode ir um passo adiante.
Uma vez que a fórmula é a mesma, Lady Night enfrenta o tempo todo um risco: o de soar repetitivo à medida em que os convidados já conhecem a tônica do programa e sabem o que devem esperar quando lá comparecem. Deve ser por isso, imagino, que por vezes as pessoas soam algo “ensaiadas”: elas já sabem que estão no programa para fazer performances estapafúrdias, como falar em coro junto com Tatá, fazer danças malucas ou imitar cenas de novela.
Nesse sentido, pareceria que Lady Night depende muito da versatilidade do entrevistado, mas, na prática, Tatá Werneck é sempre a protagonista e seus convidados, os coadjuvantes – eles, de fato, são a “escada” dela. Os melhores episódios são os que ela recebe gente que jamais esperaríamos ver submetida a esse humor nonsense – como quando Caetano Veloso, um ícone indiscutível, esteve no programa e seguiu os passos de Tatá no quadro “Meu programa, minhas regras”, no qual ela faz o convidado imitá-la nas situações mais ridículas.
Mas, obviamente, o crème de la crème de Lady Night continua o mesmo: o quadro “Entrevista com o especialista”, momento hilário em que Tatá Werneck une seu talento para o humor com a qualidade do seu time de roteiristas, e faz uma entrevista surreal com algum profissional convidado. Olhando diretamente para a câmera, quase sempre muito séria e mexendo em seus óculos de forma irônica, Tatá está no seu auge quando encara esse quadro. Compenetrada, ela consegue tanto soltar perguntas cretinas como “por que uma calça da Colcci é tão cara?” a um coach, quanto pedir a um massagista tântrico para que lhe dê um orgasmo.
É uma enxurrada de perguntas malucas, de trocadilhos inesperados, de onomatopeias e de um show de improviso de uma humorista muito preparada para lidar com as reações do seu público, inclusive, com o possível “insucesso” de algumas piadas, o que faz Tatá trazer seu talento à tona e arrancar, a todo custo, uma risada da plateia – quase sempre às custas do escracho consigo mesma. Diria que um programa inteiro do “Entrevista com o especialista”, como uma espécie de spin-off, seria um sucesso.
Com 80% das piadas com duplo sentido, emitindo uma quantidade inominável de palavrões, e sendo ela mesma o principal “alvo” de seu humor, Tatá Werneck encerra mais uma temporada de Lady Night reinando absoluta no posto da grande comediante brasileira. Com uma performance comicamente sexualizada, endosso as palavras do colunista Tony Goes, da Folha de São Paulo, ao dizer que a Lady Night de Tatá é essencialmente subversiva, revolucionária, justamente por fazer isso pelas margens. Para nossa sorte, tomara que tenhamos mais muitas temporadas com esta gata no cio.