“Cientista maluco” cria pele mais resistente que a humana para sua amada. De forma altamente resumida, assim pode ser comentado a respeito de A Pele que Habito (2011), de Pedro Almodóvar. Mas tratando-se do diretor espanhol, nada é tão superficial e as metáforas afloram a todo momento. Com o título desta obra não é diferente. Afinal, é preciso levar em consideração quem – ou o que – está no interior da pele do personagem criado por Almodóvar.
Convém citar o que constava no site oficial do filme na época do seu lançamento: “A pele é a fronteira que nos separa dos demais, determina a raça a que pertencemos, reflete nossas raízes, sejam elas biológicas ou geográficas. Muitas vezes reflete os estados da alma, mas a pele não é a alma”. Falar mais a respeito é estragar surpresas e comprometer a experiência fantástica que é entrar em contato com este longa do cineasta espanhol, baseado no livro Tarântula, de Thierry Jonquet.
Sempre coerente com o conjunto de sua obra, o diretor espanhol trata da obsessão, dos relacionamentos complicados com a experiência da morte. Não falta tragicomédia. O exagero está lá e a policromia também.
Antonio Banderas está para Pedro Almodóvar assim como Johnny Depp está para Tim Burton. Novamente Banderas figura entre os destaques de uma obra do diretor de filmes como Labirinto de Paixões (1982), Matador (1986), A Lei do Desejo (1987), Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), Ata-me! (1989), Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Fale com Ela (2002), Volver (2006), Abraços Partidos (2009), Os Amantes Passageiros (2013) e Julieta (2016). Banderas esteve presente nos cinco primeiros e no penúltimo título. Desta vez o ator interpreta o cirurgião plástico Robert Ledgard. Com a finalidade de realizar experiências científicas, Ledgard mantém presa a bela Vera, vivida por Elena Anaya. Vera é, simultaneamente, cobaia e objeto de desejo do médico.
Fiel à sua filmografia, Almodóvar promove verdadeiras “viagens” na tela e abre espaço para múltiplas interpretações: motiva verdadeiras “viagens” também do lado de cá da tela. No cerne de tudo está um poderoso conflito entre essência e aparência suscitado à revelia de quem o vive. O espectador não demorará a identificar a referência ao clássico Frankenstein, de Mary Shelley. Sempre coerente com o conjunto de sua obra, o diretor espanhol trata da obsessão, dos relacionamentos complicados com a experiência da morte. Não falta tragicomédia. O exagero está lá e a policromia também. Cores intensas e variadas enchem as cenas. Reflexões sobre a relação masculino/feminino estão igualmente presentes, um tema já trabalhado de forma acentuada por Almodóvar em Fale com Ela.
É pesado o traço de sua assinatura nesta obra. Pedaços de vestidos estraçalhados, espalhados pelo chão e sugados por um aspirador não apenas colaboram para abrir entrelinhas. Eles fazem parte de uma composição que remete às artes plásticas: parece um quadro cuidadosa e poeticamente elaborado. Os fragmentos dos vestidos são sugados pelo aspirador, mas o resultado final da ideia exposta pelo cineasta permanece, gruda na memória. É aquele tipo de cena com a qual você se depara e diz, sem hesitação: “sim, isto é Almodóvar”.
Não faltam referências ao Brasil em A Pele que Habito. É o caso, por exemplo, do quadro Paisagem com Ponte, de Tarsila do Amaral, do nome Gal dado à esposa falecida do protagonista (homenagem à cantora Gal Costa) e de uma menção explícita à Bahia. Toda a história é mostrada com muitas reviravoltas, regressos no tempo e, portanto, surpresas variadas para quem assiste. Este longa-metragem do cineasta espanhol não permite apenas uma experiência de sentimentos à flor da pele. É visceral.
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