O longa Drive (2011) pode ser comparado a um motorista que começa seu percurso prestes a ser multado por dirigir abaixo da mínima permitida para a via. Em breve, no entanto, ganha velocidade. “Entra nos eixos”. E surpreende. Prende a atenção dos passageiros pelo trajeto que escolhe para conduzi-los e, também, em razão de como percorre o caminho definido.
Ryan Gosling interpreta um motorista profissional que, durante meio período, atua como dublê em filmes de perseguição em Hollywood. O restante do tempo é dividido entre o trabalho em uma oficina e o aproveitamento de sua invejável habilidade ao volante para ajudar em assaltos. Mas sem armas. “Só dirijo”, ele faz questão de esclarecer para seus contratantes.
O personagem de Gosling é taciturno ao cubo. Parece desembolsar milhões por frase proferida. Quem assistiu ao trailer poderá constatar que as falas exibidas foram cuidadosamente selecionadas entre as poucas que o motorista profissional emite durante todo o filme. Sua vida torta, calada e solitária ganha novo sentido graças ao envolvimento com Irene (Carey Mulligan, a Sissy do ótimo Shame) e o filho Benicio (Kaden Leos), seus vizinhos. Irene, no entanto, é casada e o marido está prestes a sair da prisão. A partir desse recomeço de vida do ex-presidiário é que o trajeto de Drive começa a mostrar ainda mais sinuosidades (e desfiladeiros) para os espectadores. Difícil não dizer que alguns cenários, situações, diálogos e atitudes de muitos dos personagens lembram o estilo de Quentin Tarantino. Há violência sem censura transbordando e mafiosos desfilando.
Difícil não dizer que alguns cenários, situações, diálogos e atitudes de muitos dos personagens lembram o estilo de Quentin Tarantino. Há violência sem censura transbordando e mafiosos desfilando.
Muita atenção para a simbologia das cenas de sinal vermelho no trânsito, colocadas no momento certo, com duração ideal. Há espaço, inclusive, para uma menção da fábula clássica da rã e do escorpião. Recordando: o escorpião pede a ajuda da rã para atravessar um rio. Desconfiada, hesita por medo de ser morta. O escorpião jura que não a matará porque, dessa forma, os dois padecerão. A rã aceita a argumentação lógica do escorpião, mas no meio do percurso, é picada. Ao ser questionado, o aracnídeo simplesmente justifica: “Desculpe, mas essa é a minha natureza”. Antes de ficar devendo um favor à rã, ele preferiu a própria morte.
“Um ser humano de verdade é um verdadeiro herói”, repete insistente a música de College que enriquece a trama e refere-se ao protagonista. Ao acompanhar a história, é possível ver o quanto esse refrão fortalece a ambiguidade do personagem principal. Drive é mais um dos tantos filmes que torna obscura as fronteiras entre heroísmo e banditismo. Provocar a reflexão sobre essa confusão saudável é um dos seus grandes méritos.
Compensa fazer (muitas) coisas erradas buscando alcançar o que é certo? Vale a pena trafegar por caminhos tortuosos para se chegar a um destino considerado justo? Não é de hoje que o cinema “brinca” com questionamentos assim. Ao apostar nessas perguntas, investir em uma simpática trilha sonora e mostrar da forma como mostra o rastro de sangue que o dinheiro sujo é capaz de deixar, o filme do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn revela-se uma experiência digna de registro na memória.
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