A britânica Joan Smith tinha 80 anos quando a polícia bateu à porta de sua casa. Ela estava sendo presa. Por espionagem. Sua surpresa foi muito grande, afinal, que tipo de espionagem ela estaria fazendo aos 80 anos? Justo ela, que vivia de forma discreta e tranquila a sua velhice?
Na verdade, o crime teria sido praticado mais de meio século antes de sua prisão. Em 1938, ela estudava física na Universidade de Cambridge e envolveu-se com Leo (Tom Hughes), um jovem comunista. Em uma trama complexa cujos detalhes não convém entregar aqui, ela forneceu informações privilegiadas aos russos.
Essa é a trama básica do filme A Espiã Vermelha (2018), dirigido por Trevor Nunn. A produção é inspirada no livro Red Joan, de Jennie Rooney, que, por sua vez, é baseado na história real de Melita Norwood, conhecida como “a vovó espiã”. Como se trata de um trabalho inspirado em livro baseado em fatos, sabe-se que há várias camadas de leituras, visões, interpretações de quem se debruça sobre a história para contá-la. É preciso ter claro, então, que muitos dos detalhes podem ser fruto da imaginação e das exigências para tornar a narrativa mais atrativa e didática.
Mas a espinha dorsal da história, por si só, é bastante curiosa. Afinal, em sua discrição, Melita Norwood acabou indiretamente alterando os rumos do planeta. Exagero? Então basta acompanhar a “trama complexa cujos detalhes não convém entregar aqui” para chegar a essa conclusão.
Para contar a história, a montagem privilegia os cortes a cada dois segundos, em média. Tanto o ritmo de mudança de enquadramentos quanto o ritmo dos diálogos concede à narrativa um fluir ágil. Nada do material inserido é supérfluo em um trabalho digno de elogio por fundamentar-se em uma história cheia de informações. Orquestrar todas elas não é uma tarefa simples, mas o roteiro dá conta disso com tranquilidade.
O projeto que os cientistas estavam desenvolvendo era ultrassecreto e, por isso, eles precisavam investir na discrição extrema, em uma espécie de invisibilidade compulsória. Joan, por ser mulher, era ainda mais apagada. Uma invisível entre os invisíveis.
A estrutura narrativa fundamenta-se na estratégia de intercalar o presente da história e flashbacks que lançam o espectador para os anos 1930, 1940, quando tudo começou. Joan idosa é interpretada por Judi Dench e a Joan jovem é vivida por Sophie Cookson.
O projeto que os cientistas estavam desenvolvendo era ultrassecreto e, por isso, eles precisavam investir na discrição extrema, em uma espécie de invisibilidade compulsória. Joan, por ser mulher, era ainda mais apagada. Uma invisível entre os invisíveis. Quem mais a respeitava em meio aos cientistas era o professor Max Davis (Stephen Campbell Moore), que a convidou para ingressar no importante projeto que sustenta a trama.
O roteiro de Lindsay Shapero faz questão de usar a protagonista para enfocar a invisibilidade das mulheres. Seguem dois exemplos. Em uma das cenas, um dos personagens, homem, vira para Joan, a única mulher no ambiente ocupado por vários cientistas renomados, e pergunta se ela é a responsável pelo chá. Taylor Scott (Stuart Milligan), um cientista que recepciona pesquisadores britânicos no Canadá, ignora Joan completamente na apresentação, deixando-a sem qualquer acolhida ou cumprimento. Suas primeiras palavras a ela dirigidas são a oferta de uma secadora. Ela pergunta se ele está se referindo a “uma secadora de isótopos” e ele prontamente responde tratar-se de uma secadora de roupas.
Com montagem ágil e narrativa que envolve por interligar paixões ideológicas e amorosas, imposição e violação de segredos e crítica à invisibilidade imposta às mulheres, A Espiã Vermelhaé um filme que merece atenção. Um dos momentos mais inspiradores é saber porque Joan resolveu tornar-se uma espiã.
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