Como é comum nas obras de Nelson Rodrigues, há sempre uma crítica nova a ser levada em consideração – quase todas com relação à classe média brasileira. Em Toda Nudez Será Castigada, escrita em 1965, não é diferente. Nela, a principal crítica é quanto ao puritanismo de uma família abastada que acaba sendo colocado em cheque devido ao comportamento de seus componentes.
Na adaptação de Arnaldo Jabor para o cinema, em 1972, o filme ainda tenta trazer alguns traços teatrais para o lugar cinematográfico: sejam as tomadas em ambiente interno ou mesmo a posição de fala dos personagens, que quase sempre se colocam em posição frontal ao espectador. Esse mise en scène definido pelo diretor talvez tenha uma explicação – o de aproximar a narrativa ao tom caricatural do teatro, mesmo quando transposta para o cinema.
Na narrativa, Herculano (interpretado por Luís Linhares) é um viúvo em decadência que vive junto a sua família, cheia de tias beatas. Vendo a desolação do irmão, Patrício (Nelson Xavier) resolve ajudá-lo e propõe que Herculano se encontre com uma prostituta, Geni (Cleyde Yáconis). Mesmo contrariado, o velho viúvo acaba indo se encontrar com Geni após beber demais e, no prostíbulo, acabam se apaixonando perdidamente.
Toda Nudez Será Castigada trabalha com as complexidades da família tradicional, trazendo à tona questões como poligamia, homossexualidade e incesto.
Geni, tomada pela obsessão de que estava com um câncer em um dos seios, passa a procurar o viúvo que, por sua vez, faz de tudo para evitá-la. Serginho (Ênio Gonçalves), filho de Herculano, então aparece na narrativa com a promessa de que o pai jamais se casaria novamente com outra mulher, deixando Herculano ainda mais confuso. No entanto, mesmo um tanto conservador, Serginho apresenta tendências homossexuais, especialmente quando é levado preso.
É sob esta égide de personagens extremamente caricatos que, tanto Rodrigues quanto Jabor, trabalham para tentar representar uma característica intrínseca às famílias mais abastadas brasileiras: a hipocrisia. Ao longo de toda a história, os personagens tentam fugir de suas próprias personalidades em nome de um status quo que o berço familiar lhes proporciona.
Se, por um lado, Arnaldo Jabor deixa de lado o ambiente público, como fez em A Opinião Pública (1967), ele agora adentra com tudo no antro privado das relações da classe média brasileira, especialmente sobre temas que tão pouco eram abordados por esta parcela da população: a poligamia, a homossexualidade e o incesto.
Temas estes que, embora até hoje sejam tão recorrentes na sociedade, passados 45 anos, ainda são vistos a canto de olho por uma parcela mais conservadora da sociedade. Toda Nudez Será Castigada é sobre isso: uma classe média conservadora que tenta invisibilizar traços que sempre existiram e continuarão a existir na sociedade, seja pela voz de Herculano, o viúvo fornicador, ou pela de Serginho, o homossexual enrustido.
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