O longa-metragem Pequeno Segredo, representante do Brasil na disputa por uma vaga entre os indicados ao próximo Oscar de melhor produção em língua não inglesa, sofre de um grave problema de origem. Seu diretor, o cineasta catarinense David Schurmann, não consegue ter o distanciamento emocional necessário para contar uma bela história que, em outras mãos, poderia ter rendido um filme mais complexo. Em vez disso, o longa-metragem, que estreia hoje nos cinemas brasileiros, resulta em um melodrama por vezes tocante, mas quase sempre anêmico, por não dar à trama a complexidade dramática que ela exigia. Tem uma direção convencional e burocrática.
David, que tinha no currículo apenas um outro filme de ficção, o thriller Desaparecidos (2011), narra em Pequeno Segredo a experiência vivida por ele e sua família, quando seus pais, os navegadores Heloísa (Julia Lemmertz) e Vilfredo Schürmann (Marcelo Antony), adotaram Kat, uma garotinha neozelandesa, portadora do vírus HIV, a eles entregue pelo pai da criança, o amigo do casal Robert (Erroll Schand, de Meu Monstro de Estimação), quando ele já apresentava os primeiros sintomas da aids. A mãe, Jeanne (Maria Flor), foi contaminada ao receber sangue em uma transfusão de sangue, após sofrer um atropelamento em Belém, no Brasil, sua cidade natal. Após a morte da mulher, Robert recorre aos amigos para cuidar da menina.
Como David tem envolvimento direto, e emocional, com a história, a visão de sua família que chega ao cinema é idealizada, unidimensional.
O filme, que tem como um de seus roteiristas Marcos Bernstein (de Central do Brasil), até apresenta uma estrutura interessante. Há duas narrativas que se entrelaçam. Em uma delas, os Schürmann lidam com os primeiros sinais de puberdade de Kat, uma menina vivaz que desconhece sua condição de soropositiva, o tal “pequeno segredo” que dá título ao filme. Na outra, ficamos sabendo como Robert e Jeanne se conheceram, no Brasil, se apaixonaram e acabaram se mudando para a Nova Zelândia, onde a brasileira é vítima de preconceito por parte da família do companheiro, sobretudo da mãe, Barbara (Fionnula Flanagan, de Os Outros), personagem mal construída e caricata demais para se tornar verossímil.
Como David tem envolvimento direto, e emocional, com a história, a visão de sua família que chega ao cinema é idealizada, unidimensional, por mais que Julia Lemmertz se esforce para dar nuances a sua Heloísa, uma mãe coragem vista através do olhar do filho diretor. Maria Flor também se sai bem no papel de Jeanne. A Kat de Mariana Goulart, por sua vez, é cativante. Mas os méritos das atrizes parecem falar bem mais alto do que os do roteiro, que tem alguns diálogos risíveis de tão artificiais.
Pequeno Segredo foi centro de uma polêmica ao ser escolhido para representar o Brasil na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro. Muitos acreditavam que o muito superior Aquarius, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, merecia a vaga, mas teria sido preterido pela comissão formada pelo Ministério da Cultura porque, no último Festival de Cannes, o cineasta e o elenco fizeram um protesto público contra o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Aclamado pela crítica internacional, tinha muito mais chances, e méritos, para disputar o prêmio da Academia.
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