O diretor James Wan (Sobrenatural 1 e 2, Invocação do Mal) vem colecionando diversos elogios da crítica especializada, assim como aconteceu, em 1999, com M. Night Shyamalan (O Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais, A Vila). Desde Jogos Mortais (2004), o diretor consegue fazer algo cada vez mais raro no gênero terror: assustar.
O mérito não vem por inovações na linguagem cinematográfica ou por roteiros complexos, mas pela capacidade do diretor em reciclar clichês de maneira eficiente. Embora em todos os seus filmes voltados ao terror (com exceção, talvez, de Jogos Mortais) o público saiba exatamente o que vai acontecer na tela, Wan respeita regras essenciais do gênero: sem pressa, seus filmes vão criando tensão no público, a trilha sonora não é exagerada e os medos primários do ser humano são belamente explorados. Ruídos pela casa, medo do escuro, alguém debaixo da cama, sussurros durante a madrugada. Wan, enfim, consegue mesclar um bom terror psicológico com sustos causados pela edição. O resultado, claro, deixa a plateia com os dedos fincados na poltrona até a luz acender.
Em 2011, Sobrenatural – filme sobre uma família aterrorizada por espíritos – foi filmado com modestos US$ 1,5 milhão, arrecadando quase US$ 100 milhões no mundo todo. Como Hollywood jamais desperdiça uma sequência, Sobrenatural 2 logo estreou, custando US$ 5 milhões e arrecadando cerca de US$ 162 milhões. Com a fórmula do sucesso redescoberta (enfim, não era necessário usar adolescentes musculosos, nudez gratuita e sangue jorrando para assustar), Wan começou a dirigir e produzir diversos filmes com a mesma temática, como Invocação do Mal e Anabelle, que fizeram enorme sucesso e que, obviamente, terão continuações.
Dito isso, Sobrenatural: A Origem, dirigido por Leigh Whannel (roteirista dos dois primeiros filmes) e produzido por Wan e Oren Peli (Atividade Paranormal), não acrescenta nada ao seu filme original, mas é extremamente eficiente no que se propõe.
A história se passa antes dos eventos já contados e mostra a adolescente Quinn Brenner (Stefanie Scott) tentando entrar em contato com sua falecida mãe. Para isso, ela busca a ajuda de Elise Rainier (Lin Shaye, ótima no papel), a senhora que aparece nas histórias anteriores e que, aqui, ganha seu merecido destaque.
O filme ganha bastante força em seu início até a metade, quando o diretor parece seguir a cartilha de Wan para que nada fuja do tom dos outros longas da franquia.
O filme ganha bastante força em seu início até a metade, quando o diretor parece seguir a cartilha de Wan para que nada fuja do tom dos outros longas da franquia. Depois de apresentados os personagens, Quinn logo sofre um grave acidente de carro, deixando-a imobilizada, com as duas pernas quebradas. É o começo do desespero para a garota e para o público. O filme é competente ao criar uma atmosfera de vulnerabilidade. A garota não pode sair correndo, nem pular da cama. O público, como ela, tampouco pode fazer alguma coisa.
Whannel cria cenas inspiradas, capazes de deixar a plateia em silêncio (outra coisa rara, visto que o público, cada vez mais, dá risadas histéricas em filmes de terror), como quando a garota é aterrorizada pelo demônio em seu quarto. Os planos utilizados também são elegantes, sem muitos cortes abruptos, deixando que o público, de fato, esteja com Quinn na casa.
Mas é na personagem de Elise que o longa ganha destaque. Tendo participações menores nos outros filmes, mas que conquistaram o público, agora ela é a única que pode visitar o “outro mundo” e afastar quem está tentando puxar a protagonista para o lado escuro. Ganhando uma história pessoal, e até certo ponto comovente, Elise deixa a platéia com frio na espinha com seus olhares assustados. Outro acerto é a complexidade conferida a ela, que tenta ajudar a garota, mas não está disposta a arriscar sua própria vida para isso. Assim, somos obrigados a ver a senhora se afastar, deixando Quinn sozinha para lidar com seus próprios medos. Porém, esse mesmo acerto acaba prejudicando o desenrolar da história, já que Elise começa a entrar e sair da história vezes demais.
Se até a metade o terror vai sendo desenvolvido de forma eficiente, com Elise entrando cada vez mais no “além”, a inserção dos dois caçadores de fantasmas, visto nos outros filmes, acaba dissipando qualquer tensão criada ao longo da projeção. Com uma tentativa falha de fazer comédia, os dois são desnecessários à trama, sendo utilizados apenas para criar barriga no roteiro. Outros personagens, que têm ligação direta com a protagonista, também aparecem no início do filme, mas são completamente esquecidos ao longo de Sobrenatural – A Origem, como a melhor amiga de Quinn ou seu vizinho. O pai da garota, interpretado por Dermot Mulroney, faz apenas o papel do incrédulo que demora 4o minutos para acreditar que algo de errado está acontecendo com sua filha.
O resultado final é um longa que começa muito bem, com todas as qualidades presentes nas obras de Wan e respeitadas por Whannel, mas que vai perdendo sua força no final, com uma conclusão que parece chegar fácil demais. Na tentativa de suavizar a crescente tensão para depois chegar ao clímax, o diretor erra a mão com cenas mal executadas e descartáveis. Porém, graças ao talento de Lin Shaye e sua adorável Elise, Sobrenatural: A Origem vale a pena, seja por conseguir envolver seu público ainda ou mostrar fôlego para uma nova continuação, que certamente virá. Talvez o grande acerto, tanto de Sobrenatural quanto dos outros longas com a mão de Wan, seja essa sensação incômoda de que, embora todos os clichês estejam presentes, nós sempre sentiremos medo do escuro quando o filme termina.
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