A ação de The Post — A Guerra Secreta se passa em 1971, mas o novo longa-metragem de Steven Spielberg, que estreia hoje no Brasil, não chega aos dias atuais com sabor de passado revisitado e tem notável pertinência, uma vez que discute tema-chave em 2018: a liberdade de imprensa. Um dos nove indicados ao Oscar de melhor filme, a produção, contudo, não chega a figurar entre os mais notáveis trabalhos de Spielberg, talvez porque o roteiro, muito preso aos fatos que narra, não consiga ir muito além dos limites de um docudrama competente. Falta-lhe a transcendência e o arrebatamento emocional e estético de outros títulos históricos da filmografia do cineasta, como A Lista de Schindler, Munich e Lincoln, que também disputaram a estatueta na categoria principal.
O roteiro de Liz Hannah e Josh Singer, em sua ânsia documental, se prende excessivamente a detalhes e, de certa forma, emperra a narrativa, que demora a engrenar dramaticamente, ainda que a história seja envolvente. A trama se passa há 47 anos, quando o governo do então presidente Richard Nixon fez de tudo para impedir a publicação de reportagens – em um primeiro momento no jornal The New York Times, e mais tarde no Washington Post – a partir dos chamados “Pentagon Papers”, documentos confidenciais sobre a Guerra do Vietnã.
O roteiro de Liz Hannah e Josh Singer, em sua ânsia documental, se prende excessivamente a detalhes e, de certa forma, emperra a narrativa.
O viés escolhido pelo roteiro é o que foca no conflito enfrentado pelo diário Washington Post, à época dirigido pelo lendário jornalista Ben Bradlee (Tom Hanks), homem de confiança da proprietária Katherine Graham (Meryl Streep, indicada ao Oscar de melhor atriz pela 21ª vez), que tinha relações pessoais com integrantes do governo Nixon.
Para a Casa Branca, ainda que revelassem mentiras divulgadas à população pelo governo como se fossem fatos, os documentos deveriam permanecer secretos em nome da “segurança nacional”, seja lá o que isso quisesse dizer. Bradlee e sua equipe no Post apostaram na resistência à pressão governamental, em defesa da liberdade de expressão e do direito do povo americano saber o que os políticos faziam à sua revelia. Tão fundamental foi a decisão de Katherine Graham de enfrentar interesses corporativos e econômicos, dando apoio incondicional à redação de seu jornal.
Antes vista mais como uma herdeira acidental do que como uma empresária de peso no ramo da comunicação, Kay iniciou um novo capítulo em sua biografia, assumindo um protagonismo de contornos heroicos, segundo o filme. O mesmo Washington Post, meses mais tarde, voltaria a bater de frente com Richard Nixon no caso Watergate, que culminaria com a renúncia do presidente em 1974.
Em tempos nos quais o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenta interferir na liberdade de imprensa, constrangendo jornalistas e tentando impedir a publicação de conteúdos contrários a ele e à sua administração, The Post parece mais atual do que nunca, mesmo não decolando completamente. A discussão que propõe é da maior relevância e o filme reconstitui a história com precisão e ótimo elenco, com destaque para a atuação matizada de Meryl Streep. É emocionante ver a imprensa de papel em seu ápice, cumprindo a função essencial de atender aos interesses dos governados e não aos dos governantes.
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