O cineasta Mick Garris costuma repetir em seu podcast Post Mortem que os membros da comunidade de horror americana são as pessoas mais amáveis que ele conhece. A fala faz referência ao fato de que as pessoas que consomem o gênero e o adotam como uma manifestação de suas identidades, via de regra, são amigáveis, possuem consciência política e são receptivos à diferença. Isso nos Estados Unidos, claro.
A imagem é bastante distinta do estereótipo construído em torno da ideia de um fã de horror. Há, inclusive, alguns memes que brincam com essa ideia. Num deles, diferentes personagens ilustram uma imagem, brincando como a sociedade às vezes enxerga esse público como um amontoado de góticos e/ou psicóticos. A mera atração por narrativas de medo caracterizaria tais sujeitos como estranhos, sombrios e, por vezes, doentes.
Posso estar exagerando, mas os relatos de amigos que pesquisam o horror enquanto fenômeno social na academia usualmente relatam uma sensação semelhante. Não é incomum comentários sobre o fato de o tema não ser digno de recortes e investigações sob a ótica científica. Eu mesmo ouvi durante o mestrado, uma década atrás, que fui um estudante muito dedicado, mas impossível de levar a sério por conta de meu objeto de estudo.
Esse debate reapareceu com um pouco mais de força na minha cabeça nos últimos dias depois de rever com minhas filhas a recente animação de A Família Addams (2019), dirigida por Conrad Vernon e Greg Tiernan. No longa-metragem, o pântano onde fica a casa dos Addams é drenado e eles são expostos aos vizinhos que moram em um condomínio fechado de alto padrão nos Estados Unidos.
Se você gosta de filmes de assassinatos, uma pessoa conservadora e equivocada (mas bem possível) pode afirmar que você gosta de assassinatos.
O discurso de recepção da comunidade que vive ao lado dos protagonistas é o de que é “fácil ser feliz se você não tem nenhuma outra opção”. Gostos pessoais e “estranhos” são deixados de fora das ruas do empreendimento imobiliário criado pela personagem Margaux Needler (dublada por Allison Janney no original).
A animação basicamente funciona como uma alegoria sobre a aceitação do diferente, com muitos paralelos ao contexto político norte-americano – que rejeita imigrantes em prol de um país mais “puro” e grande. Não parece ser por acaso que o penteado de Margaux é um grande topete loiro, análogo ao do atual presidente Donald Trump.
O fato de os Addams apresentarem gostos peculiares, como um apego a explosivos, espíritos destrutivos e um culto aos mortos, os colocam na mira da vilã. Ninguém pode ter interesses grotescos e sanguinolentos sem ser uma ameaça ao status quo. A analogia com o imaginário do fã de horror entra aqui. Se você gosta de filmes de assassinatos, uma pessoa conservadora e equivocada (mas bem possível) pode afirmar que você gosta de assassinatos.
Usando fake news, Margaux consegue convencer a população a marchar – de celular em mãos com um aplicativo de tochas de fogo abertos – contra a mansão Addams. Ao perceber que aquela é apenas uma família preocupada com a segurança dos seus, a população raivosa reconhece aqueles excêntricos moradores do pântano como seus semelhantes. Isso porque todos temos comportamentos exóticos – como gostar de filmes de horror -, mas isso não nos torna menos amáveis.