Uma das grandes descobertas da minha infância foi a paixão por zumbis. Em meados dos anos noventa, qualquer criança tinha acesso a filmes de horror na televisão aberta. Produções como A Volta dos Mortos Vivos – Parte 2 (1988), Uma Noite Alucinante 3 (1992) e A Hora do Terror (1985) eram exibidas no meio da tarde e alimentavam meu fascínio pelo subgênero, que era raro entre os títulos das videolocadoras do meu bairro.
Para ver a obra de George Romero era preciso fuçar catálogos empoeirados por toda a cidade. Só fui ver A Noite dos Mortos Vivos (1968) (leia mais aqui) no início dos anos 2000, quando o DVD chegou ao mercado brasileiro. Nessa mesma época, os zumbis deixaram de ser figuras marginais em produções baratas. Resident Evil: O Hóspede Maldito (2002), Extermínio (2002) e Madrugada dos Mortos (2004) reacenderam o interesse do público ocidental nessas criaturas e as tornaram pop. Até demais.
Nos últimos dez anos, os mortos-vivos apareceram em mockumentaries (Diário dos Mortos, 2007), comédias românticas (Meu Namorado é um Zumbi, 2013), filmes de ação (Eu Sou a Lenda, 2007) e dramas independentes (Colin, 2008), entre outros. A saturação chegou ao ponto de Romero, que idealizou o conceito original da epidemia de zumbis, afirmar que se arrependia de ter ressuscitado os mortos na década de 1960.
“Eu era o único cara fazendo isso. E tinha minhas razões, pois queria satirizar a sociedade. Não temos mais nada disso por aí”, reclamou o diretor ao Indiewire há duas semanas (leia mais). Para o cineasta, o seriado The Walking Dead e o blockbuster Guerra Mundial Z (2013) se tornaram espetáculos vazios de entretenimento.
Mesmo sendo fã desse tipo de filme, acho difícil não concordar com os comentários de Romero quando olhamos para a indústria cinematográfica de Hollywood. Os zumbis viraram criaturas que pouco lembram o conceito original, quase como os vampiros virgens de cristal dos livros de Stephenie Meyer. Os recém-lançados Dead Rising (2015), de Zack Lipovski, e Maggie: A Transformação (2015), de Henry Hobson, corroboram para esse argumento. As duas produções são entretenimentos que funcionam mais como veículos propagandísticos do que filmes de horror.
George Romero afirmou recentemente que filmes como Guerra Mundial Z (2013) e o seriado The Walking Dead são espetáculos vazios, voltados puramente ao entretenimento.
Adaptado do videogame homônimo, Dead Rising foi concebido para promover o Crackle, serviço gratuito de streaming de vídeos. Na trama, um jornalista (Jesse Metcalfe) fica preso em uma cidade com milhares de infectados, enquanto o governo tenta acobertar uma conspiração para vender mais remédios que previnem a infestação. Maggie, por sua vez, é um meio para que Arnold Schwarzenegger teste suas habilidades como ator em um dramalhão sobre um pai que precisa lidar com o fato de que a filha adolescente (Abigail Breslin) foi mordida por um morto-vivo e tem alguns dias antes de se transformar.
Com estéticas bem diferentes, ambos usam os monstros criados por Romero como ambientação pós-apocalíptica, sem que provoquem qualquer tipo de ameaça. Há tentativas de dialogar sobre problemas sociais, como o isolamento das novas gerações e os abusos da indústria farmacêutica, mas em nenhum dos casos isso é desenvolvido a contento. As questões propostas pelos roteiros se perdem em cenas de ação mal conduzidas ou momentos introspectivos de iluminação saturada que entediam o público.
Sei que os dois exemplos são ruins e há bons filmes recentes de zumbi por aí, mas sinto que há um crescente problema em algumas produções, que ignoram o que faz essas criaturas tão fascinantes. O fenômeno é parecido com o que me incomodou em Jurassic World (leia mais). De um modo geral, o que ocorreu na última década foi uma banalização do imaginário dos mortos-vivos, que deixaram de ser ameaçadores. Hoje, eles são parte do cenário, naturalizadas pelos personagens com quem dividem a tela, que raramente os temem. Na obra de Romero, isso jamais aconteceria.