Ao lançar o primeiro Independence Day (1996), o diretor Roland Emmerich e o roteirista Dean Devlin tentaram criar uma história original e moderna de invasão alienígena belicista. Apesar da intenção inovadora, o longa-metragem claramente bebia no imaginário popular desse tipo de história, com influências indiretas de filmes como Guerra dos Mundos (1953), A Invasão dos Discos Voadores (1956) e a minissérie televisiva V (1983).
A superprodução da dupla acabou se tornando o maior sucesso financeiro de Hollywood em 1996. Para o projeto seguinte, os dois buscavam um novo desafio, em que poderiam imprimir sua marca e criar algo, preferencialmente sem referenciar diretamente suas influências. O que lhes foi oferecido foi a refilmagem de Godzilla (1954).
O contrato garantia liberdade criativa para Emmerich. Isso acabou deixando a produção com um caráter bastante pessoal.
A versão americana do gigante nuclear que aterroriza Tóquio era planejada desde meados da década de 1980, quando a Toho fez barulho para lançar o primeiro remake de Godzilla, de 1985. O projeto ficou estagnado por anos, pela falta de tecnologia adequada e porque parecia uma aposta arriscada. A estreia de Jurassic Park (1993) e a consagração da computação gráfica como recurso de efeitos visuais deu sinal verde para o projeto.
O Godzilla (1998) de Roland Emmerich completou 20 anos em 2018. Durante esse período, foi provavelmente um dos filmes mais detestados por críticos e fãs do cinema tokusatsu. Parte disso vem do fato de que o diretor e o roteirista queriam criar algo completamente novo e moderno em cima da propriedade intelectual japonesa, mais ou menos como fizeram em Independence Day e as histórias de invasão alienígena. Nos materiais promocionais da época, o diretor rejeitava o visual, o estilo e as metáforas do rei dos monstros.
O contrato garantia liberdade criativa para Emmerich. Isso acabou deixando a produção com um caráter bastante pessoal. Personagens estúpidos ganharam as feições e os trejeitos dos críticos de cinema Roger Ebert e Gene Siskel, que não poupavam comentários negativos às produções do cineasta. O protagonista foi nomeado em homenagem ao designer da produção, Patrick Tatopoulos. A trama foi dividida em perspectivas políticas, científicas e militares, muito semelhante à adotada em filmes do diretor, como O Dia Depois do Amanhã (2004), 2012 (2009) e o próprio Independence Day.
No fim das contas, sobrou pouco tempo de tela para o próprio Godzilla, cujo comportamento mais animalesco (e menos monstruoso) ainda simulava mais os dinossauros de Jurassic Park do que o que se via nos filmes da Toho. A adição dos filhotes cujos movimentos eram idênticos aos dos velociraptors da obra de Steven Spielberg não ajudou.
Embora não seja lá um filme pipoca tão ruim quanto alardearam pelas últimas duas décadas, a primeira refilmagem americana de Godzilla soava desrespeitosa com o material original. Isso num período em que os fandoms de propriedades intelectuais de empresas de entretenimento ainda não haviam atingido a organização que possuem hoje. A regra para adaptações atualmente é a fidelidade, feita com paixão e veneração.
A Toho, que passou mais de meio século levando diferentes versões de Godzilla ao cinema até foi generosa com o longa-metragem de 1998. O design do monstro foi comprado pelo estúdio e o ataque em Nova York que ocorre na trama viraram parte do cânone do universo tokusatsu da empresa. Histórias em quadrinhos, livros e outros filmes referenciaram diretamente acontecimentos da produção de Emmerich nos últimos anos. O próprio Godzilla americano leva uma surra de sua versão japonesa no bagunçado épico Godzilla: Final Wars (2004), que prova que o remake não foi completamente esquecido.