William Castle reinventou sua carreira como diretor, em 1958, num período em que o cinema de horror americano dava claros sinais de esgotamento nos Estados Unidos. Desde o começo daquela década, os grandes estúdios de Hollywood dosavam o gênero com elementos de ficção científica. Monstros de outros planetas, experiências que deram errado e insetos gigantes eram a tendência, que pegava carona na paranoia tecnológica e comunista do período.
Na Europa, o horror vivia um momento glorioso. A Hammer se popularizava com adaptações de clássicos góticos como A Maldição de Frankenstein (1957) e Drácula – O Vampiro da Noite (1958) na Inglaterra. Na França, Henri Georges-Clouzot levava uma multidão aos cinemas para ver As Diabólicas (1955).
Hoje, Macabre não ocupa um lugar muito honrado entre os clássicos do horror. Mal figura entre os títulos mais importantes da filmografia de seu diretor.
O longa-metragem francês, aliás, é o que abre os olhos de Castle para a narrativa de medo. A obra estreou nos Estados Unidos com um marketing alarmante, que pedia para os espectadores não revelarem o final do filme. “Ninguém poderá entrar na sessão depois que a exibição tiver começado”, alertava o trailer. Filas e filas se formavam nas bilheterias antes de cada projeção.
Até então, Castle era um diretor barato de aluguel que comandava fitas policiais e de aventura para grandes estúdios. Queria deixar sua marca no cinema, mas não sabia como. Depois de ver As Diabólicas, percebeu que as pessoas queriam ser assustadas. Durante os três anos seguintes, lutou para tirar do papel o que se tornaria Macabre (1958).
Hipotecou a própria casa para financiar a produção. Praticamente inventou uma nova estratégia de divulgação, apoiada em truques (gimmicks) que convenciam a plateia de que o filme era assustador. Ao promover a estreia, criou um seguro de vida, que garantia US$ 1 mil para quem, porventura, viesse a morrer de medo durante a exibição do filme. Enfermeiras ofereciam a apólice para as pessoas ao lado da bilheteria.
Toda estrutura de Macabre é emprestada de As Diabólicas, incluindo o final surpresa e o título francês (que emulava o título do filme de Clouzot nos Estados Unidos, Les Diaboliques). Castle apostava alto e queria resultados. A trama acompanha um médico viúvo de uma cidade pequena que, no dia do enterro da cunhada, descobre que a filha foi sequestrada e tem apenas algumas horas de vida. Crente de que a menina foi enterrada viva no cemitério, decide procurá-la cavando buracos em túmulos de conhecidos.
Embora não seja uma obra assustadora, o marketing exagerado enganou o público. Castle tinha o primeiro sucesso da carreira nas mãos. Isso o levaria a dar passos mais ousados nos projetos seguintes, sempre de olho nos truques que poderia adotar como publicidade (leia mais).
[box type=”note” align=”alignright” class=”” width=”350px”]
Leia também
» William Castle, Roman Polanski e o fim do horror clássico em O Bebê de Rosemary
» Hitchcock e a valorização do suspense
» A Casa dos Maus Espíritos é um filme de truques e artimanhas
[/box]
Hoje, Macabre não ocupa um lugar muito honrado entre os clássicos do horror. Mal figura entre os títulos mais importantes da filmografia de seu diretor. Entretanto, quem assiste ao filme desavisado pode ter algumas surpresas. A linguagem não é muito diferente de um programa de televisão da época – o roteirista Robb White, aliás, conheceu Castle nas gravações do seriado Men of Annapolis -, mas a história é envolvente e brinca com nossas expectativas.
Uma cena, em particular, ajudaria mais tarde a coroar o diretor como um dos mestres do suspense na época. Depois de cavar em diversos pontos do cemitério, o protagonista vai parar na funerária em que está o corpo da cunhada. Cercado de suspeitos, ele é forçado a carregar o caixão sem revelar que a filha foi raptada. A câmera vai de rosto em rosto, tensionando o espectador a analisar reações dos demais personagens para identificar o vilão.
A produção também despertou a atenção de Alfred Hitchcock, que passou a observar como o público se interessava por produções assustadoras baratas. Psicose (1960), filme que inicia sozinho a era moderna do gênero, nasce como uma resposta às produções representadas em Macabre. Castle, ainda que não tenha inventado a roda, ajudou a sedimentar o caminho que tiraria o horror do esgotamento do período.