No prefácio do livro Sombras da Noite, Stephen King descreve o horror como um gênero narrativo para “pessoas que gostam de diminuir a velocidade para ver acidentes de carro”. A ideia é sedutora, pois parece facilmente explicar nosso fascínio por imagens de violência e medo, mas reforça o senso comum de que os consumidores dessas narrativas são peculiares, sádicos e possuem apelo pelo grotesco.
Uma tragédia qualquer que ocorra diante dos nossos olhos naturalmente pede por nossa atenção. No jornalismo, dizemos que o interesse pelo estranho e pelo novo vem do nosso instinto de percepção, que ajudava o ser humano a permanecer vivo quando o mundo era repleto de predadores. Com o tempo, passamos a viver em cidades e com relativa segurança, mas a vontade de saber o que ocorre ao nosso redor permaneceu.
A indústria da informação rapidamente se apoderou dessa ideia. Na segunda metade do século XIX, jornais do mundo todo especializaram-se em noticiar os crimes que ocorriam dentro dos grandes centros urbanos. Na França e na Inglaterra, os relatos eram expandidos em pequenas histórias sensacionalistas, dando detalhes mórbidos de assassinatos.
O interesse em consumir o que era compreendido como a vida real não era exclusivo dos jornais da época. O serviço público de Paris mantinha uma vitrine em seu necrotério que exibia corpos para até 150 mil pessoas em um só dia. A exposição transformava “a vida real em espetáculo”, escreveu a pesquisadora Vanessa R. Schwartz em um dos artigos do livro O cinema e a invenção da vida moderna (Cosac & Naify, 2001).
‘Poucos entre nós conseguem evitar uma espiada nervosa para a sucata cercada por carros de polícia e sinais luminosos na estrada, à noite’.
Entre os artistas da época, o movimento da moda era o realismo, que retratava com alguma fidelidade imagens e cenas da vida moderna. Nesse mesmo período, museus de cera, instalações de panorama e diorama e shows de horrores estavam no auge de sua popularidade na Europa. A maior parte dessas atrações explorava o grotesco sem qualquer tipo de vergonha.
É justamente nesse contexto, em que o público ansiava por um entretenimento que retratasse com realismo seu próprio cotidiano, é que surge o cinema. A sétima arte se tornou rapidamente um espetáculo das massas, pois era capaz de representar a realidade com movimento e, posteriormente, sons. Quando a simples filmagem não segurava mais a atenção dos espectadores, os cineastas começaram a retratar histórias – muitas delas de crimes e tragédias reais.
Pioneiros como George Méliès começaram a explorar os limites desse realismo, o que deu origem ao cinema fantástico e ao horror (leia mais). Mas o interesse pelo mórbido, pelo grotesco e pelo peculiar são a essência do cinema e não de um único gênero. Como explica o próprio Stephen King, “poucos entre nós conseguem evitar uma espiada nervosa para a sucata cercada por carros de polícia e sinais luminosos na estrada, à noite”. Isso não nos torna estranhos, porque sabemos que o horror faz parte da nossa própria vida.