O Bebê de Rosemary (1968) é uma referência obrigatória para os fãs de horror e cinéfilos de um modo geral. A atmosfera claustrofóbica do apartamento novaiorquino de Mia Farrow e John Cassavetes, o clima de constante paranoia e a direção inspirada de Roman Polanski tornaram o filme um grande clássico da sétima arte.
O título também é um marco histórico para a sétima arte. A partir de sua estreia, a indústria percebeu o potencial lucrativo do gênero. Novos diretores viram na obra uma oportunidade para investir em tramas de horror mais adultas, violentas e ousadas. Esse movimento foi chamado pelo jornalista Jason Zinoman de new horror e revelou ao mundo os talentos de Dan O’Banon, John Carpenter, Wes Craven, Biran De Palma, entre outros.
O filme, porém, poderia ter sido muito diferente. Os direitos de adaptação de O Bebê de Rosemary, originalmente um romance de Ira Levin, pertenciam ao cineasta William Castle, famoso pelos artifícios (gimmicks) que usava para atrair o público para o cinema (leia mais). Foi ele quem vendeu seguros de vida milionários para quem morresse durante a exibição de Macabre (1958), pendurou um esqueleto acima da plateia em A Casa dos Maus Espíritos (1959) e criou um óculos especial para que os espectadores pudessem enxergar assombrações em 13 Fantasmas (1960).
Castle pensou que a adaptação de O Bebê de Rosemary poderia ser sua chance de ter respeito. Tinha na cabeça a receita de sempre. Para um dos protagonistas, chamaria o amigo Vincent Price.
Castle era um showman, acostumado a aparecer na tela para apresentar as películas que dirigia. Era, de cerca forma, rival de Alfred Hitchcock na disputa pelo título de mestre do horror e do suspense, como revela o documentário Spine Tingler – The William Castle Story (2007), de Jeffrey Schwarz. O problema é que, apesar de ser popular entre as crianças, ele não tinha o prestígio de artista do cineasta britânico.
Quando topou com o best-seller de Levin, viu a oportunidade de criar uma obra que conquistasse o respeito do público adulto e da crítica. Castle hipotecou a casa em que vivia com a família para adquirir os direitos do romance. De acordo com Zinoman, no livro Shock Value: How a Few Eccentric Outsiders Gave Us Nightmares, Conquered Hollywood, and Invented Modern Horror (2012), o diretor pensou em ter Vincent Price como um dos protagonistas.
Preocupado com um aspecto datado e barato que o experiente cineasta pudesse passar para a adaptação, a Paramount Pictures, que estava encarregada de bancar a produção, queria Polanski para a direção. O polonês era um nome em ascensão dentro da indústria por causa de Repulsa ao Sexo (1965) e A Dança dos Vampiros (1967). Nas negociações, Castle saiu perdendo e ficou com o cargo de produtor.
Nas filmagens, Polanski evitou todos os clichês clássicos do horror. Privilegiou cenas ao ar livre. Fugiu do aspecto gótico e dos efeitos visuais baratos. Usou câmera na mão. A linguagem era bastante realista para uma trama sobre o nascimento do anticristo, algo praticamente inédito no gênero até então.
Mais conservador, Castle se preocupava com a reação do público. A relação entre o produtor e o diretor de O Bebê de Rosemary era tensa. Os dois entraram em confronto quando foi revelado que o filme mostraria apenas os olhos da criatura que nasce do ventre da protagonista. Seria uma maneira de evitar o látex e a maquiagem falsa, mas também era um desrespeito à carreira do homem que passou a vida lidando com o cinema de horror sem medo de ter monstros na tela.
Novamente, o lado de Polanski saiu ganhando. A verdade é que a indústria passava por uma mudança intensa de valores na virada da década de 1960 para 1970. Era o momento de ascensão da nova Hollywood, que mais tarde levaria às telas títulos como O Exorcista (1974) e A Profecia (1976). Não havia mais espaço para filmes infantis dentro do horror. Os truques de Castle eram coisas do passado.