De início lento, numa tentativa de construção poética que não dá muito certo, o filme enrola o espectador com quase dez minutos de imagem parada e narração. Nada contra quem se utiliza deste tipo de linguagem, mas não casou. Burn the Sea mostra a que veio aos poucos, lentamente, exatamente o como seu começo. Este filme pessoal e, ao mesmo tempo, antropológico e performático, conta a história de Maki Berchache, um dos diretores do filme. Um tunisino buscando um futuro melhor em Paris longe do opressivo regime de Ben Ali em seu país.
Mais que um filme sobre um determinado momento histórico da Tunísia e as consequências que o regime gerou em seus jovens, Burn the Sea é um filme sobre busca. Busca por liberdade, emancipação, prosperidade e, sobretudo, a busca de um lugar para chamar de seu. Lembrei-me de Terra Estrangeira (Walter Salles, 1996), os conflitos em sua terra natal o fazem sentir vontade de fugir, mas a realidade de um imigrante explorado em terras desconhecidas lhe tira a vontade de ficar.
Maki detestou a França, detestou os franceses, nos traz uma inegável sensação de não-pertencimento a lugar algum. Um sufocamento que não é exclusivo de tunisinos em busca de trabalho na Europa, mas de qualquer outro imigrante em subempregos pelo mundo servindo de dispensável engrenagem para o bom funcionamento da máquina capitalista do Ocidente. O paraíso ilusório do outro lado do mar é desconstruído por trabalhos indignos de salários baixos que fazem cair por terra o sonho de prosperidade.
Numa ficcionalização diante da câmera, Maki torna-se personagem de si mesmo neste projeto híbrido que critica a alienação de turistas europeus que viajam para países subdesenvolvidos buscando paz, tranquilidade e diversão sem se questionarem em momento algum sobre a situação social daqueles que os servem.
Numa ficcionalização diante da câmera, Maki torna-se personagem de si mesmo neste projeto híbrido.
Questionando fronteiras, barreiras e distância, o título não poderia ter sido melhor escolhido. Maki, em sua experiência com os franceses chega à conclusão de que existe muito mais que fronteiras geográficas entre as pessoas, há fronteiras emocionais que bloqueiam qualquer possibilidade de identificação e percepção empática do Outro.
No ponto alto do filme, indo em choque com a lentidão inicial, temos um belo discurso seguido de imagens frenéticas sobre a burocracia e exigências que alienam e condicionam as pessoas a uma vida de obrigações focadas no eu. Logo após, em contraponto a esse frenesi, somos apresentados à quietude do interior da Tunísia, humilde, pobre, mas tranquila e pacífica. Familiar… A falta de Maki sente da família e de sua terra natal, somada a imagens de arquivo, torna-se nítida.
Burn the Sea não chega a ser um grande filme, mas é quase. Peca pelo excesso de maneirismos experimentais acadêmicos, mas encontra seu ritmo e seu ponto de equilíbrio em um discurso político forte e reflexivo. É um claro filme de iniciantes, cheio de experimentações estéticas dispensáveis, mas essenciais para um jovem diretor amadurecer e encontrar seu caminho no cinema. Afinal, creio que seja para isso que a mostra Novos Olhares serve. Um filme para poucos, mas tem seu valor.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.