Uma informação é fundamental para se compreender como a diretora francesa Anna Roussillon consegue imprimir tamanha visceralidade a seu documentário I Am the People (Eu Sou o Povo), que estreia nesta sexta-feira (12) na mostra competitiva de longas-metragens do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema.
O fato de a cineasta ter crescido no Egito, e portanto estar familiarizada com a cultura do país, a impede de adotar um tom exótico, deslumbrado, ao retratar como um pequeno vilarejo reage aos protestos desencadeados em fevereiro de 2011, na cidade do Cairo, e que eventualmente culminaram com o fim de ditadura de 30 anos do presidente Hosni Mubarak.
Essa opção por buscar o extraordinário no ordinário, possivelmente, só se torna possível porque a diretora sabe sobre quem e de que está falando.
Ao contrário de A Praça, indicado ao Oscar de melhor documentário, I Am the People, evita assumir um tom político triunfante, e algo ufanista em seu imediatismo, tomando partidos. Anna Roussillon demonstra estar mais interessada, por meio de uma abordagem intimista, em captar como os habitantes da localidade vão reagindo, e se posicionando, à medida em que vão se inteirando sobre o que está ocorrendo na capital do país.
Seus entrevistados, ao mesmo em que falam sobre o conflito, e revelam, por vezes timidamente, suas posições, também se despem diante da câmera em outros âmbitos. Eles contam sobre as dificuldades que enfrentam para irrigar suas terras áridas, festejam uma nova gravidez, decidem se vão deixar ou não que os filhos cortem os cabelos no estilo moicano, parecido com o do jogador brasileiro Neymar. Vivem, enfim.
Essa opção por buscar o extraordinário no ordinário, possivelmente, só se torna possível porque a diretora sabe sobre quem e de que está falando. Entende que a população egípcia, ao contrário do que outros documentários mais evidentemente pró-revolucionários dão a entender, demorou para compreender o que estava ocorrendo. Está a despertar de um estado de apatia, e alienação, para tomar posicionamentos com mais convicção. Talvez por conta disso, I Am the People, com suas duas horas de investigação detalhista, esteja fadado a se tornar menos datado e temporal com o passar dos anos do que outros filmes que abordam o mesmo período.
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