Sete Visitas brinca com os limites do documentário
Por Maura Martins
No debate após o final da exibição do filme Sete Visitas, o diretor Douglas Duarte foi perguntado sobre se os personagens em cena neste documentário eram ou não atores e atrizes. “Sim, todos são!”, respondeu prontamente, em uma resposta que soava menos como verdade definitiva e mais como provocação.
Penso que esta questão é crucial para entender a proposta e o formato experimentado por Duarte em Sete Visitas, documentário que exibe sete entrevistas com uma mesma mulher, a paranaense Silvana, ex-cortadora de cana, hoje funcionária afastada de uma empresa de finalização de jeans, e uma ótima fabuladora de si mesma.
O desafio colocado aos sete convidados, todos provindos de diferentes profissões e realidades – dentre eles, temos psiquiatra, xamã, escritora, documentarista – era o de entrevistar uma pessoa totalmente desconhecida, sem qualquer conhecimento prévio sobre ela. Interessava ao diretor, evidentemente, investigar as diversas dinâmicas da entrevista e dos encontros com o outro. Talvez interessasse a ele menos conhecer a entrevistada e mais entender como os entrevistadores, a partir das especificidades de seus olhares e de suas formações, se comportariam perante ela.
Sete Visitas investiga o encadeamento entre os formatos de documentário e os limites da exposição de nós mesmos quando nos narramos a alguém.
Voltando à resposta de Douglas Duarte, é interessante notar que o filme provoca uma reflexão sobre o próprio formato do documentário, ao refletir sobre os papéis desempenhados por cada um daqueles personagens postos frente às câmeras.
Todos ali representam a si mesmos e a certos papéis que desempenham socialmente, como o psiquiatra que prontamente diagnostica e oferta uma solução definitiva à depressão de Silvana.
As gargalhadas do público presente à sessão durante a cena com as duas xamãs que oferecem uma “cura” aos problemas de Silvana talvez evidenciem a ciência disto: talvez a performance do xamanismo seja tão evidente que beire o excesso, causando o riso e a desautorização do papel cumprido por elas.
Por tão “perfeitas” nos seus papéis, tornam-se caricatas. O documentário ainda sugere uma crítica sutil a um “mercado do autoconhecimento” que fornece soluções rápidas a todos os dilemas da subjetividade.
Ao investigar o encadeamento entre os formatos de documentário e aos limites da exposição de nós mesmos quando nos narramos a alguém, Sete Visitas aparenta-se de Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho, que é, inclusive, um dos entrevistadores de Silvana, e comove ao nos relembrar da riqueza presente na sua dinâmica de escuta, totalmente desnuda de julgamentos prévios, respeitando a verdade do outro.
Coutinho não usa seu pouco tempo para questionar os fatos que ela narra, alguns um tanto inverossímeis – ele, inclusive, postula em certo momento que verdade e mentira se misturam na memória – mas aproveita para rir com ela da quantidade de palavrões que ambos falam.
Mas quem realmente brilha aqui é Silvana, uma peculiar personagem de si, capaz de hipnotizar o espectador pelos caminhos trilhados ao construir a própria narrativa. Outra resposta dada por Douglas Duarte no debate é uma pista importante para entendê-la.
Durante a produção de uma reportagem para uma emissora estrangeira, ao encontrar Silvana cortando cana com mais eficiência que todos os outros colegas, ela teria cravado a foice no chão e disparado ao jovem diretor: então você procura uma coitadinha para o filme?
Ali temos um indício crucial para entendermos uma fabulosa personagem, pessoa como qualquer outra, mas cuja riqueza e limites para sua fala revelam muito sobre o que os documentários, tal como os conhecemos, conseguem ou não alcançar enquanto formato.
Sete Visitas – O jogo das indagações
Por Aline Vaz
Inicialmente um documentário clássico, perguntas, respostas, entrevistador, entrevistado, Sete Visitas (Douglas Duarte; 2014) surpreende com o modo que conduz o jogo de perguntas e respostas, a interação entre aquele que pergunta, mas que habitualmente não é indagado expõe sujeitos de vivências tão distintas, mas que se olham e naquele momento tentam compreender-se, manifestando questionamentos de opinião.
Podemos dizer que o diretor, Douglas Duarte, foi privilegiado, o encontro com uma mulher sofrida, cruel, sincera, com um grande sorriso, mas que afirma ser muito triste, irônica e sem medo de relacionar-se com a sua visita, animou a plateia que assistia a projeção durante o 4º Olhar de Cinema, que sorriram e deixaram a sessão em clima de satisfação.
Impossível não eleger a melhor visita de Coutinho: é emocionante vê-lo em ação, fazendo o outro falar, criando narrativas em frente à câmera com uma condução singular.
Não são sete entrevistadores, são sete visitas, que se sentam e batem um papo, Silvana cria intimidade com o ambiente, pede para cortar quando não quer mais falar, conhece o posicionamento das câmeras e explica para Eduardo Coutinho, com a naturalidade de quem fala com o homem Eduardo, sem compreender o cânone Coutinho.
Impossível não eleger a melhor visita de Coutinho: é emocionante vê-lo em ação, fazendo o outro falar, criando narrativas em frente à câmera com uma condução singular. A mais incomoda é do advogado, que fala de justiça, enquanto a vida de Silvana não foi justa. Às vezes vítima, outras vezes vilã, Silvana é real, há um anjo e um monstro dentro de si, que a inquieta, a deprime, a humaniza.
Ela que nunca amou nenhum homem, casou três vezes, teve três filhos e, segundo o diretor, que relatou durante o debate, após a produção do filme ela já havia colecionado o quarto marido, engravidou e separou-se. A vida de Silvana é repleta de visitas. A paranaense que diz ser do mundo, tem muitas histórias para contar, momentos que chegam, retiram informações e vão embora, deixando Silvana novamente sozinha, esperando as próximas indagações.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.