Big Little Lies, minissérie da HBO baseada no livro homônimo de Liane Moriarty, começa de maneira tranquila. Lindas e imensas casas na Califórnia, ruas seguras, praias belíssimas, casamentos felizes e mulheres e homens engajados em causas sociais. Aos poucos, vamos percebendo que essa vida perfeita, como o título já acusa, é uma mentira. Mas se por um momento temos a leve impressão de que a série é só uma Desperate Housewives mais luxuosa com mulheres ricas e brancas, logo somos levados a uma trama violenta, arrebatadora e que provoca o público de maneira que somente a união entre bons roteiros, direção e atuação consegue fazer.
Big Little Lies conta a história de três mulheres que se aproximam quando seus filhos passam a estudar juntos. Após um incidente na escola com uma das crianças, somos apresentados a Madeline (Reese Witherspoon), Celeste (Nicole Kidman), Jane (Shailene Woodley), Renata (Laura Dern) e Bonnie (Zoe Kravitz). Também sabemos que um assassinato ocorreu na cidade e todos são suspeitos. Contar mais do que isso já seria spoiler.
![Shailene Woodley, Reese Witherspoon e Nicole Kidman em Big Little Lies](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2017/04/Big_Little_Lies_HBO.png)
Criada por David E. Kelley (Boston Legal, Ally McBeal), com todos os episódios dirigidos por Jean Marc Vallée (Clube de Compras Dallas, Live) e com produção executiva de Witherspoon e Kidman, a minissérie é tecnicamente perfeita. Com uma atmosfera absolutamente claustrofóbica, a trama apresenta cinco mulheres sofrendo, em maior ou menor grau, violências morais e sexuais, vítimas da permissividade da nossa cultura machista. Desde a excelente trilha sonora até a montagem, Big Little Lies é capaz de deixar a audiência tensa e curiosíssima. Afinal, o que estaria acontecendo com aquelas mulheres? Por que estamos tão confusos? Qual é o segredo? Com cortes secos inseridos de maneira não-linear, vamos espiando a vida das personagens aos poucos e nada podemos fazer. Somos apenas espectadores, tal como os vizinhos que aparecem depondo em todos os episódios. Algo está acontecendo, mas somos muito egoístas e educados para tentar interferir. E é aos poucos que somos levados a esta violência, ainda que as cenas fortes apareçam em não mais do que alguns segundos durante os episódios.
Oscilando entre drama, comédia e um thriller capaz de deixar o público com os nervos à flor da pele, Big Little Lies traz uma carga dramática absurda em sua história.
Deixando que os fatos sejam julgadas pelo público e não pelos personagens, a minissérie é um exemplo de como se contar uma história. Dessa forma, Big Little Lies mostra como uma obra pode discutir assuntos relevantes sem que o discurso se torne chato, didático ou clichê. Por isso, quando esperamos que a produção leve aquelas mulheres a uma rivalidade já esperada, o roteiro nos entrega empatia, até mesmo para personagens que deveríamos odiar. Quando pensamos que é apenas um drama no estilo Os Ricos Também Choram, a série é humanizada. Quando desejamos que uma mulher que sofre violência doméstica encontre forças para deixar o marido — algo esperado quando a televisão aborda o assunto —, a história nos dá um choque de realidade ao mostrar uma personagem extremamente vulnerável e que se mostra incapaz de fazer qualquer coisa a não ser viver em negação e reafirmar o amor por aquele homem.
![Nicole Kidman está brilhante em Big Little Lies](http://www.aescotilha.com.br/wp-content/uploads/2017/04/Big_Little_Lies_Nicole_Kidman-1024x683.jpg)
E se narrativamente a minissérie é um primor, as atuações são de tirar o fôlego. Reese Witherspoon é o alívio no meio de tanta história pesada e suas cenas são capazes de fazer o público gargalhar, ao mesmo tempo em que somos levados também às lágrimas em poucos minutos. Shailene Woodley não lembra nada a atriz adolescente de Divergente e surge como uma grata surpresa, trazendo uma história bastante pesada e que exige uma certa maturidade na atuação. Laura Dern consegue deixar sua personagem irritante e ao mesmo tempo fazer o público sentir carinho por ela. Até mesmo o elenco infantil é absurdamente bom, e o roteiro entrega textos complexos para todos eles, sem que jamais soe forçado.
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Entretanto, ainda que todas essas atrizes brilhem mais quando estão juntas, é Nicole Kidman e sua Celeste quem carrega o peso de uma atuação extremamente difícil. Com uma performance que não víamos há algum tempo, Kidman deve ganhar todos os prêmios possíveis. Seu olhar carrega toda dor, coragem, medo, vulnerabilidade e negação que a personagem exige. É possível, por exemplo, diminuir o volume da televisão completamente e ainda sentir toda a violência sofrida por Celeste. Trazendo um domínio brilhante de linguagem corporal, Kidman habita o corpo de uma mulher machucada, sempre escondendo contusões por trás de roupas bonitas e sem que ninguém desconfie de qualquer problema no seu casamento. Falando em linguagem corporal, a atuação de Alexander Skarsgard, que interpreta o marido de Celeste, assusta ao mostrar um homem agressivo sem que ele precise falar muito, mas apenas movimentar seu corpo ou acariciar a esposa de maneira violenta.
Oscilando entre drama, comédia e um thriller capaz de deixar o público com os nervos à flor da pele, Big Little Lies traz uma carga dramática e uma naturalidade absurda em sua história. Sem jamais subestimar o telespectador, a minissérie consegue a proeza de ser um frescor na televisão ao administrar elementos básicos da boa narrativa e acertar praticamente em tudo. Não se assuste ao se ver órfão daquelas personagens após os sete episódios.
Por fim, Big Little Lies já deve ser considerada uma pequena obra-prima da HBO e certamente uma das melhores séries do ano. E em tempos em que se discute tanto a palavra sororidade, a minissérie talvez mostre algumas das cenas mais lindas entre mulheres já feitas na televisão. Absolutamente imperdível.