É perfeitamente compreensível se você que está lendo isso não tiver ainda assistido A Rosa de Versalhes, também conhecido como Lady Oscar: Não são tantos que resolvem sair à procura de um anime clássico lançado quase 40 anos atrás, cuja premissa promete ser basicamente um dramalhão histórico. Pessoalmente, porém, confesso ser um fã de animes, séries antigas e dramalhões históricos, portanto resolvi dar uma olhada.
E o que posso dizer além de: quem ainda não assistiu esta série, não sabe o que está perdendo.
Baseada nos mangás de Ryoko Ikeda, a série começa na França, em 1755, com o nascimento da sexta filha (fictícia) de François Augustin Regnier de Jarjayes (que realmente existiu). Membro de uma renomada família de guardas reais, François Augustin anseia por um menino que possa herdar seu posto e continuar seu trabalho. Desesperado por o destino só lhe dar meninas, porém, ele resolve dar à sua nova filha um nome masculino, Oscar François de Jarjayes, e criá-la como um menino, ensinando-a a lutar esgrima, cavalgar e tudo que for necessário para ela sucedê-lo como líder dos guardas do Palácio de Versalhes (curiosamente, toda a corte francesa está ciente disso e não vê problema nenhum – inclusive, quando Oscar cresce, muitas damas mostram-se grandes admiradoras dela, em mais de um sentido).
A Rosa de Versalhes é uma boa história, ancorada por uma boa protagonista.
Durante 40 episódios, a série segue a história de Oscar ao longo de mais de trinta anos, conforme ela, junto com seu cavalariço e melhor amigo André Grandier, torna-se comandante da Guarda Real e é transferida a Versalhes com a missão de proteger Luís XVI e, principalmente, sua esposa Maria Antonieta. Lá, a jovem heroína é testemunha dos vários eventos que tumultuaram a vida de Maria Antonieta, em geral descritos com bastante precisão: sua rixa com Madame du Barry, a amante de seu sogro Luís XV; a dificuldade em engravidar e gerar um herdeiro; o famoso Caso do Colar de Diamantes; entre vários outros.
Não que a série não assuma também algumas liberdades, como tratar como fato o suposto caso de Antonieta com o nobre sueco Hans Axel von Fersen, e criar um amplo drama em cima de Rosalie Lamorlière, a última servente da rainha antes desta ser guilhotinada. Ao mesmo tempo, Oscar e André são arrastados ao que viriam a serem as primeiras faíscas da Revolução Francesa, procurando encontrar seus respectivos lugares em uma França em violenta mudança, conforme o Antigo Regime desmorona e abre espaço para os ideais democráticos.
Pode soar como uma aula de história europeia – embora neste sentido seja bem-sucedido em gerar interesse no público pelos eventos que levaram à Revolução Francesa -, mas acreditem quando digo que a produção da série fez o melhor trabalho possível para que ela fosse mais do que isso: tendo contado com alguns dos melhores animadores japoneses da época em sua equipe, sua animação esbanja estilo visual, especialmente sua segunda metade, dirigida por Osamu Dezaki, que consegue dar à série um máximo de expressividade mesmo quando há um mínimo de movimento, por vezes inclusive utilizando seus reconhecíveis “cartões-postais”, cenas que congelam e transformam-se em aquarelas, como se para gravá-las bem na mente e no coração de quem as assiste.
A animação, porém, não é a única qualidade da série: acima de tudo, A Rosa de Versalhes é uma boa história, ancorada por uma boa protagonista. Embora Oscar seja meramente fictícia – apesar de o papel que interpreta ser inspirado em personagens reais, como o Marquês de La Fayette -, ela é extremamente apelativa, com seu forte senso de justiça, orgulho incorruptível e grande habilidade em combate, que rendem vários momentos dignos do gênero “Capa-e-Espada”.
Se for possível apontar um defeito da série, é que a partir de certo ponto são tantas as tramas e intrigas – tanto reais quanto fictícias – que ela tenta abordar, que algumas acabam sendo esquecidas por vários episódios a fio. Porém, isso pode ser facilmente perdoado por duas coisas: a forma como Oscar se relaciona com os diversos personagens históricos apresentados, especialmente com a jovem Maria Antonieta, retratada como uma rainha quase fadada a uma vida trágica; e o desenvolvimento da protagonista ao longo da série, como uma mulher constantemente dividida entre responsabilidades e desejos conflitantes – manter-se leal à sua classe como nobre ou ajudar o povo empobrecido; viver aventuras épicas como militar ou render-se à paixão e ter uma vida mais feminina -, que além de tocante é surpreendentemente convincente considerando as condições um tanto “surreais” de seu nascimento e criação.
Tudo isso deixa o público facilmente viciado e sempre ansioso pelo próximo episódio, especialmente quando a série se aproxima do final, e o drama dos personagens cresce na mesma medida em que a situação política na França também se torna cada vez mais dramática, culminando em um finale que faz qualquer fã de dramas ficar de boca aberta – e talvez segurando um ou mais lenços na mão.