Muito tem se falado sobre a nova forma de se fazer televisão, especialmente com a entrada da Netflix. Se antes a TV a cabo era refúgio para quem buscava séries mais transgressoras, atualmente serviços streaming produzem conteúdo melhor ou tão bom quanto uma HBO, por exemplo. Além de inaugurarem um novo jeito de consumir televisão, esses serviços deram uma liberdade maior aos criadores, que não precisam, necessariamente, inventar histórias mirabolantes para prender a audiência, já que não dependem de anunciantes. Portanto, Master of None, nova comédia produzida pela Netflix, é uma série que, provavelmente, não teria vida longa na televisão comum, simplesmente porque quebra com tudo o que se espera de um seriado cômico tradicional.
Criada pelo comediante Aziz Ansari (Parks and Recreation) e pelo roteirista Alan Yang (também de Parks), Master of None mostra a rotina de Dev, filho de imigrantes indianos. No alto de seus 30 anos, Dev vive em Nova York e tenta a vida como ator, aparecendo em diversos comerciais de qualidade duvidosa. Sem uma trama central, a série vai discutindo temas delicados de forma inteligente, construindo personagens interessantes, que acabam conquistando o público aos poucos.
Master of None lembra bem a proposta de Seinfeld, a série sobre o nada. Assim, é uma comédia de observação, quase com episódios-crônicas. Vemos tudo pelo ponto de vista de Dev e dos seus amigos, que trocam experiências e vão discutindo problemas da vida moderna, como relacionamento com os pais, com homens, mulheres, racismo, feminismo e misoginia. Mas se em Seinfeld a estrutura seguia os padrões de uma comédia tradicional, Master tem liberdade para contar sua história da forma como bem entender. Assim, temos episódios inspiradíssimos, como aquele que escancara a forma com a qual os americanos mostram uma versão estereotipada de indianos na televisão (ou qualquer etnia diferente da predominante) ou um lindo episódio onde a série mostra a relação de Dev com sua namorada no período de um ano, discutindo de forma bem realista o sabor agridoce de um relacionamento sério.
Master é uma série sobre a vida, sem nenhum romantismo, transformando reclamações universais em uma reflexão bem mais madura.
E é interessante perceber que Master of None não é uma série na qual a audiência morre de rir. Ao invés disso, temos, aqui, um produto de reflexão, sem que isso se torne chato ou cansativo. A abordagem dos temas é universal, moderna, os personagens são simpáticos e os diálogos são inteligentes, mas jamais pretensiosos. Ainda que Aziz soe praticamente igual seu personagem em Parks and Recreation, o comediante parece ter encontrado o tom certo. O ator brinca o tempo todo com a estrutura clássica americana de se fazer piada e se recusa a usar a tão famosa punchline, a parte final de uma piada em que a intenção é gerar gargalhada no público. Master é uma série sobre a vida, sem nenhum romantismo, transformando reclamações universais em uma reflexão bem mais madura.
E ainda que jamais soe panfletária, a crítica ao racismo norte-americano está presente durante todos os dez episódios da primeira temporada. Aziz consegue ampliar a questão de forma inteligente, já que a série não transforma diálogos em discursos expositivos sobre o que é ser minoria, mas vai mostrando ao público naturalmente sua visão de mundo – e aqui temos uma brilhante referência a Friends, que volta e meia é acusada de ter sido um seriado racista. A série ainda tem tempo para falar sobre a diferença salarial entre homens e mulheres, a escolha de ter ou não filhos, a luta dos pais para garantir um futuro para os filhos, a experiência de morar sozinho e por aí vai.
Com cada episódio tendo um tema específico, a série começa com assuntos mais leves para depois se aprofundar em questões mais reflexivas. O que começa parecendo um Louie mais feliz, acaba se transformando em um interessante exame do que é fazer ou estar perto dos 30 anos e as questões da vida moderna. A série, então, vai na direção contrária às comédias românticas, mesmo quando é romântica. Já madura, Master of None coloca em evidência as neuroses da geração atual, seus desejos e dúvidas, sendo uma das produções mais bem articuladas da Netflix e uma das grandes surpresas do ano.