O Festival do Rio mantém-se, mesmo após anos de crises financeiras e incertezas institucionais, como a principal vitrine internacional do cinema brasileiro. Inaugurando sua 27ª edição, ele segue com uma função que vai além da exibição de filmes:
- Formação de público – ao promover sessões populares e debates, aproxima criadores e espectadores, algo vital num país em que o cinema luta por espaço nas salas comerciais;
- Conexão internacional – atrai produtores, distribuidores e críticos estrangeiros, projetando o Brasil como polo de audiovisual na América Latina;
- Espaço para diversidade – coloca lado a lado cineastas consagrados e novos talentos, abrindo espaço para linguagens alternativas e temas urgentes (como meio ambiente, memória política e questões identitárias);
- Resistência cultural – sua continuidade, mesmo em tempos de retração de verbas públicas e privadas, é símbolo de resiliência da cultura brasileira diante da precariedade estrutural.
Hoje, o Festival do Rio funciona quase como um termômetro da saúde do cinema nacional: quando ele floresce, é sinal de vitalidade criativa e política; quando sofre, revela as fragilidades de um setor dependente de políticas culturais consistentes.
Em sua 27ª edição, não se contenta em ser apenas uma vitrine. Ele se afirma como um caleidoscópio – desordenado, exuberante e essencial – do cinema brasileiro contemporâneo. A Première Brasil deste ano é a maior da história: 124 títulos, entre longas, médias, curtas e, pela primeira vez com peso inédito, quatro séries nacionais exibidas na tela grande.
O Festival do Rio 2025 é isso: um organismo caótico, pulsante, contraditório – que espelha, com todas as suas luzes e sombras, a própria condição do cinema brasileiro.
Há, claro, o prestígio dos nomes consagrados: Kleber Mendonça Filho retorna ao país com O Agente Secreto, exibido em Cannes, em sessão hors-concours; José Eduardo Belmonte apresenta Quase Deserto, em competição; Marcelo Gomes e Maria Clara Escobar dividem a direção de Dolores; e Aurélio Michiles dedica seu documentário Honestino ao líder estudantil desaparecido na ditadura. Mas o charme do festival está em colocar esses veteranos lado a lado com estreantes radicais, como Caco Ciocler (Eu Não Te Ouço) e Leandra Leal (Nada a Fazer), na mostra Novos Rumos, espaço onde a experimentação ainda pulsa com alguma anarquia saudável.
A seara do fantástico ganha cores intensas na sessão À Meia-Noite – com Nosferatu, de Cristiano Burlan, Quarto do Pânico, de Gabriela Amaral Almeida, e A Própria Carne, de Ian SBF –, prova de que o horror brasileiro vive fase de expansão. Já em Retratos, o cinema encara a memória: da homenagem a Milton Gonçalves ao mergulho na trajetória de Ezequiel Neves, passando por documentários dedicados a Fernanda Abreu e Hyldon. O passado, como sempre no Festival do Rio, insiste em dialogar com o presente.
O festival também abre espaço para urgências políticas: a mostra O Estado das Coisas, este ano com curadoria voltada à COP-30, reúne títulos como Cadernos Negros, de Joel Zito Araújo, e Minha Terra Estrangeira, de João Moreira Salles. A mensagem é clara: cinema é também arena de disputa pelo imaginário.
Nem tudo, porém, é gravidade. A leveza tem lugar garantido, seja no registro nostálgico de Anos 90: a Explosão do Pagode, de Emílio Domingos, seja na fantasia amazônica de Tainá e os Guardiões da Amazônia. E se até Miguel Falabella aporta com Querido Mundo, estreado em Gramado, é porque o Festival do Rio ainda consegue ser irresistivelmente inclusivo, mesclando o sofisticado ao popular, o experimental ao televisivo.
O coração do evento pulsa no Armazém da Utopia, no Cais do Porto, transformado em quartel-general do cinema, mas a alma se espalha pela cidade – do clássico Cine Odeon aos parques municipais, em sessões populares que buscam a democratização do acesso. No pano de fundo, permanece a tensão crônica: patrocínios frágeis, economia instável, a eterna sensação de que o festival sobrevive por milagre. Mas, como sempre, ele ressurge com vitalidade inesperada.
O Festival do Rio 2025 é isso: um organismo caótico, pulsante, contraditório – que espelha, com todas as suas luzes e sombras, a própria condição do cinema brasileiro.
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