A leitura mais simplista que pode ser feita de O Abutre é que o intenso longa-metragem de estreia de Dan Gilroy é uma crítica corrosiva do jornalismo sensacionalista. Não deixa de sê-lo, mas o filme vai bem além do mero comentário sobre a atual banalização de violência nos veículos de comunicação de massa, que tudo fazem para conquistar audiência.
A potência de O Abutre, ao meu ver, vem muito mais da jornada delirante empreendida pelo protagonista, Lou Bloom (Jake Gyllenhaal, em um desempenho corajosíssimo), um sujeito à margem do (ilusório) “sonho americano”. Ele não mede esforços para conquistar fama, fortuna e reconhecimento.
As falas do personagem são um dos trunfos de O Abutre, assim como a intimidade com a qual a câmera se apropria da perspectiva alucinada do protagonista, nos tornando um pouco cúmplices de seus pecados.
Para isso, assume um papel parasitário, alimentando-se do mundo-cão, ao qual é patologicamente indiferente. Nele, enxerga a oportunidade de se descolar da invisibilidade, tornando-se um cinegrafista freelancer, que mercantiliza a tragédia alheia. Sobretudo se as vítimas forem brancas e mais abastadas.
O engenhoso roteiro de Gilroy (irmão do cineasta Tony Gilroy, de Conduta de Risco) aos poucos nos deixa penetrar na subjetividade alterada de Bloom, cuja obsessão por emergir do anonimato, e se tornar “um vencedor”, é traduzida em verborragia e petulância oportunista – as falas do personagem são um dos trunfos de O Abutre, assim como a intimidade com a qual a câmera se apropria da perspectiva alucinada do protagonista, nos tornando um pouco cúmplices de seus pecados.
Gyllenhaal, indicado ao Globo de Ouro de melhor ator, e Rene Russo (ex-mulher de Gilroy fora das telas), no papel de uma editora de tevê decadente e sedenta por pontos de audiência, brilham em um filme original, vigoroso.
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