O cineasta norte-americano Scott Cooper já deve estar na lista dos diretores mais cobiçados por astros em Hollywood. Coração Louco, de 2009, rendeu ao veterano Jeff Bridges um merecido (e há anos aguardado) Oscar de melhor ator. Quatro anos mais tarde, outro drama de cores bastante realistas, Tudo por Justiça, também proporcionou a Christian Bale um belo momento em sua carreira. Em Aliança do Crime, que estreia hoje nos cinemas brasileiros, o realizador conseguiu um feito ainda maior: lembrar o público e, principalmente, os críticos que, no filme certo e sob direção competente, Johnny Depp pode ser bem mais do que um artista destinado a viver tipos excêntricos.
O longa-metragem lembra outro drama policial que integra a filmografia de Depp, o vigoroso Donnie Brasco (1997), de Mike Newell (de Quatro Casamentos e Um Funeral), no qual o ator, coincidentemente, também vive um personagem menos, digamos, exótico: um policial infiltrado na máfia. Só que, em Aliança do Crime, Depp está do outro lado da Justiça. Ele interpreta, com incríveis vigor e frieza, o papel de James “Whitey” Bulger, chefão do crime organizado na região sul de Boston, que por muitos anos foi um dos homens mais procurados nos Estados Unidos.
Irmão do senador Billy Bulger (Benedict Cumberbatch, de O Jogo da Imitação), que se não o protegia, fingia não não saber de seus inúmeros crimes, Whitey é um personagem limítrofe, com evidentes traços de psicopatia. O interessante é que Depp, que nos últimos anos vinha se dissolvendo em interpretações maneiristas e repetitivas, desta vez constrói seu personagem de dentro para fora, com pequenos gestos, modulações da voz e uma sutileza notáveis. Por trás de lentes de contato azuis, o personagem verte crueldade no olhar, sem cair na armadilha do maniqueísmo.
O roteiro de Aliança do Crime, coescrito por Mark Mallouk e Jez Butterworth, consegue dar a Bulger sutileza. A sua crueldade aos poucos vai ganhando forma, e sendo revelada, na medida em que somos apresentados à trajetória surpreendente do criminoso ao longo das décadas, a partir dos anos 1970 (a direção de arte e figurinos são pontos altos da produção).
O interessante é que Depp, que nos últimos anos vinha se dissolvendo em interpretações maneiristas e repetitivas, desta vez constrói seu personagem de dentro para fora.
Particularmente interessante, e central à trama, é o relacionamento entre Bulger e o agente do FBI John Connolly (o ótimo ator australiano Joe Edgerton, de O Grande Gatsby), seu amigo de infância. O policial, defendido pelo gângster quando era adolescente em uma briga de bairro, tem uma dívida de honra com o bandido, com quem compartilha as raízes irlandesas e católicas. Esse vínculo pessoal prova ser muito mais relevante para ambos do que a polaridade que eles representam em suas respectivas atividades.
Como já provou em seus filmes anteriores, Cooper tem uma ótima mão para dramas realistas, sombrios, ainda que, formalmente, ele não seja um diretor ousado, porém muito competente. Aliança do Crime é até certo ponto previsível (lembra muito Sobre Meninos e Lobos, que também retrata a mesma região de Boston), e prefere se sustentar em personagens interessantes e em uma história verídica intrigante – difícil acreditar que a carreira do senador democrata Billy Bulger tenha demorado tanto para ter sido maculada pelas atividades criminosas de Whitey.
Aliança do Crime, no entanto, será lembrado mesmo como o filme que devolveu a credibilidade a Johnny Depp, em um momento que sua carreira parecia imersa em grande crise criativa. É um retorno e tanto.
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