O cinema se ocupa muito pouco do amor quando ele já é algo consumado, incontornável. Sua possibilidade, do ponto de vista dramático, parece ter muito mais apelo junto ao público. Falar do que acontece quando tudo já deu certo é sempre um risco, pois trata-se de uma opção de desvio do sonho, da quimera, matérias-primas de muitas tramas românticas. Nesse aspecto, O Amor É Estranho, drama do diretor norte-americano Ira Sachs, ousa, pois começa pelo que, na maior parte das vezes, é o fim: o casamento.
Apos 39 anos juntos, George (Alfred Molina, de Frida) e Ben (John Lithgow, de Síndrome de Caim) se casam, quando a legislação no estado de Nova York dá a eles esse direito.
A oficialização da união, celebrada por amigos e parentes de ambos, tem, no entanto, um efeito colateral sinistro: a demissão de George, professor de música em um colégio católico. Embora todos na escola, incluindo pais, alunos, colegas e até mesmo a direção, saibam de sua orientação sexual, a oficialização dessa verdade, materializada em uma reles foto postada no Facebook, desafia os valores defendidos pela Igreja. E a permanência de George no quadro docente da instituição se torna inviável.
Sem um emprego fixo, George e Ben, que conta apenas com a sua aposentadoria para sobreviver, se veem diante de um dilema. Eles não têm condições seguir pagando o financiamento do apartamento onde vivem, e são forçados a morar, de favor, em casas separadas até que consigam encontrar uma solução que lhes permita viver de novo sob o mesmo teto.
Filme de Sachs economiza nas cores dramáticas, optando pela contenção, pela sutileza, sugerindo mais do que explicitando.
Enquanto o Estado lhes confere o direito de legitimar seu amor, seu relacionamento, a intolerância do meio social, representado aqui pela força moral imposta pela religião, os condena à separação. Eles, afinal, foram longe demais, ao buscarem a igualdade. Essa punição, aparentemente passageira, tem efeitos devastadores, embora O Amor É Estranho economize nas cores dramáticas, optando pela contenção, pela sutileza, sugerindo mais do que explicitando essa dor.
Ancorado nas brilhantes atuações de Molina e Lithgow, mas também no ótimo roteiro escrito em parceria por Sachs e pelo brasileiro Maurício Zacharias (de Madame Satã e O Céu de Suely), o filme, belo mas doloroso, flui sem se render às tentações do melodrama, optando pela suavidade enganadora e perfurante, à medida em que os protagonistas vagam em um não lugar, privados de um lar que levaram quase 40 anos para conquistar e que lhes é roubado em um estalar de dedos.
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