No dia 7 de novembro de 1991, Earvin “Magic” Johnson convocou uma coletiva de imprensa no Forum, a casa dos Los Angeles Lakers na época e onde havia jogado durante toda a sua impressionante carreira no basquete. O atleta anunciaria para dezenas de repórteres confusos sua aposentadoria no auge dos seus 32 anos. O motivo: ele havia testado positivo para o vírus do HIV.
É a partir desse evento, ou anúncio, que o documentário da ESPN The Annoucement conta a história de um dos maiores atletas da história americana, recortando apenas o período de tempo que se seguiu à sua declaração em rede nacional.
Para fazer uma comparação bem mais ou menos, seria como se o Neymar – não só por ser um craque do esporte, mas também uma celebridade com centenas de amigos famosos e a admiração da maioria do país – avisasse que não jogará mais futebol porque só tem alguns meses de vida.
Hoje nós sabemos que o vírus do HIV, e mesmo a Aids, não é uma sentença de morte, mas há quase 30 anos a visão era muito diferente. Mesmo alguns médicos não tinham certeza sobre os meios de transmissão e o preconceito com os portadores só não era maior que o medo generalizado de contaminação.
O filme faz um bom trabalho em retratar as diferenças e semelhanças no tratamento que Magic, por ser um ídolo ou mesmo sendo um ídolo, recebe. Ele imediatamente toma para si a missão de ser um rosto para a misteriosa doença, um instrumento de conscientização. Em mais de um momento, os depoimentos dizem que, se antes a Aids era uma doença de marginalizados no imaginário popular, agora todos os americanos sentiam que conheciam alguém contaminado.
Esse era o tamanho da popularidade de Johnson. Mas nem isso impediu que ele também sentisse na pele o preconceito, até mesmo de seus pares. Sua aposentadoria durou pouco, após um jogo amistoso no All-Stars Game, ele e os médicos decidiram que o basquete ainda era uma opção.
O filme faz um bom trabalho em retratar as diferenças e semelhanças no tratamento que Magic, por ser um ídolo ou mesmo sendo um ídolo, recebe.
Ao contrário de muitos, ele ganhou compaixão e, em nenhum momento a mídia se debruçou sob seus hábitos “libidinosos” que o levaram a adquirir a doença. Afinal, ele era reconhecidamente heterossexual e somente agora o grande público desinformado acreditava que o HIV não era uma exclusividade dos homossexuais. Foi tratado como um herói.
Claro que isso não evitou que em seu microcosmos, o mundo do basquete, logo surgissem relatos de jogadores que não queriam estar no mesmo ambiente que ele e que temiam a contaminação pelo suor ou achavam que ele devia se retirar.
Tudo isso retrata perfeitamente como os pensamentos ignorantes (no sentido original da palavra, de falta de conhecimento) e o medo da Aids tomaram os anos 80 e 90. Aqui, o esporte é utilizado para contar não só a história de um homem, mas de como toda uma sociedade lidava com um dos maiores desafios médicos do século XX. E isso, contar em paralelo um caso icônico como maneira de mostrar uma realidade muito maior, é algo que os documentários e séries da ESPN no geral fazem com louvor. É o caso de O.J: Made In America, Once Brothers, Nature Boy e tantos outros.
Vale dizer que qualquer documentário que tenha uma colaboração tão grande e aberta do biografado desperta uma desconfiança de direcionamento positivo. E, tendo isso em mente, o longa poderia sim ter trazido mais falhas do seu personagem principal, que muitas vezes pecou também por ter desistido de participar ativamente do debate ou por não querer perder completamente seu status como um atleta.

Hoje em dia, por exemplo, não é raro ouvir os jovens com menos de 30 anos dizerem que não sabiam que Magic Johnson tinha a doença. Já para os mais velhos, aquele momento foi algo nos moldes de “o que você estava fazendo quando Magic Johnson anunciou sua doença?”.
The Annoucement não é uma biografia de Ervin “Magic” Johnson. Se fosse, seria rasa e unilateral. Como retrato de um momento e das causas e consequências dele na sociedade americana, é instigante, mas acaba antes de ter coragem de fazer qualquer crítica a mais.
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