A norte-americana Angelina Jolie é tudo, inclusive uma boa diretora. Ao menos é isso que fica notório em seu novo longa-metragem, o drama À Beira Mar, que estreia hoje nos cinemas brasileiros.
À Beira Mar se passa na França em meados da década de 1970, e narra a história do casal Vanessa (Angelina Jolie) e Roland (Brad Pitt). Vanessa, uma ex-dançarina, e Roland, um escritor norte-americano, decidem viajar juntos pelo país europeu. Após 14 anos juntos, eles parecem se distanciar um do outro a cada dia que passa. Ela prefere ficar no quarto, entre um cigarro e outro, enquanto Roland vaga pela cidade em busca de alguma inspiração para um novo livro. A rotina deles sofre uma guinada com a chegada do casal de recém-casados, Léa (Mélanie Laurent, de Bastardos Inglórios) e François (Melvil Poupaud, de Buraco Negro).
Angelina Jolie arrisca sua primeira empreitada dramática após duas produções de guerra (Na Terra do Amor e Ódio e Invencível) e, para nosso deleite, se sai razoavelmente bem. Em alguns instantes, sua personagem em À Beira Mar parece um pouco ela, quase uma atuação desnudada. Entre cigarros e choro, Vanessa sofre. Angelina compartilha com o público um olhar perdido, distante, até certo ponto indiferente. Dirigir-se talvez tenha lhe acrescido algumas camadas de liberdade cênica, que permitem que ela e Vanessa pareçam uma só.
Essa frieza e abandono constante na relação do casal são claustrofóbicas, mas também incômodas.
Brad Pitt, dirigido por Jolie pela primeira vez, também é distante, porém muito menos que sua companheira. Roland passa a maior parte do tempo a beber e comer na companhia do barman Michel (o grande ator francês Niels Arestrup), e do dono do hotel onde está hospedado, Patrice (Richard Bohringer). Enquanto isso, exerce a não-escrita e o distanciamento de sua esposa.
Essa frieza e abandono constante na relação do casal são claustrofóbicas, mas também incômodas. Vivem sempre à flor da pele, no limite entre a loucura e a sanidade, entre o amor e a posse. E quando tudo parece indicar um caminho para o nada, Vanessa enxerga um buraco no quarto de hotel, através do qual consegue ver o quarto de Léa e François, tornando-se sua paixão espiá-los, paixão posteriormente compartilhada com Roland.
Esse voyeurismo do casal escancara o abismo de sua relação. Mais que uma atitude mórbida, ela é um grito seco, um silêncio que atordoa, um pedido de socorro que os próprios demoram a compreender. E, tal qual um vício, isso os consome, acelerando o processo de desmoronamento de sua intimidade conjugal.
À Beira Mar fala sobre o vazio existencial dos relacionamentos conjugais, sobre o estar longe mesmo estando tão perto. O filme apresenta uma linda fotografia de Christian Berger (A Fita Branca), que explora muita bem o cenário paradisíaco. Angelina Jolie ainda acerta ao abrir mão de uma trilha sonora constante, usando o “não dito” nas sequências de completo silêncio como artifício metafórico para o distanciamento de seus protagonistas.
O filme marca, ainda, o reencontro do casal Angelina/Brad atuando nas telas do cinema (a última vez foi em Sr. e Sra. Smith). O deslize do longa fica apenas no roteiro, que envereda para um final óbvio, frustrando o espectador. De toda forma, mais um degrau na evolução de Jolie, desta vez no papel de diretora.
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