Chegou a Netflix o documentário Brasil 2002: Os Bastidores do Penta, que retorna ao ano do último título brasileiro da Copa do Mundo FIFA. Problemático do ponto de vista de roteiro, a obra falha na tentativa de aproximar o público de seu símbolo esportivo mais emblemático.
Desde as manifestações que resultaram no afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff, a camiseta da Seleção Brasileira de futebol é associada com muito do que há de pior no país: defesa da ditadura, retrocessos sociais e corrupção. Porém, não era assim em 2002, algo que o diretor estadunidense-uruguaio Luis Ara tenta mostrar em seu filme.
Experiente diretor de documentários sobre esporte e cultura, Luis Ara, que apesar de nascido em Houston, Estados Unidos, desenvolveu toda sua carreira no Uruguai, mergulha no passado para recontar uma história pré-redes sociais, mas relativamente viva na memória dos adultos de 2022.
Roteirista e produtor do documentário Para Sempre Chape, Ara talvez não tenha sido a melhor escolha para Brasil 2002. Não ter vivido o auge e a derrocada da imagem da Seleção, da CBF e do uniforme verde e amarelo até lhe confere uma espécie de olhar isento, mas também prejudica o resultado.
O documentário acaba sendo uma espécie de panfleto pró-Seleção, mas desconectado da própria realidade. A construção do roteiro é problemática. Ainda que mostre a tragédia da perda da final para a França, em 1998, não aborda o início da erosão da relação entre o torcedor e a Canarinho, cujo ponto de partida até está na derrota para a equipe comandada por Zidane, mas ganha corpo com a CPI que analisou o contrato entre CBF e Nike.
Ara até cita brevemente o fato, mas o tom de humor, expresso diretamente no riso de Ronaldo Fenômeno, um dos convidados de Brasil 2002, parece afirmar que se tratava apenas de “mais uma palhaçada dos homens de gravata de Brasília”.
‘Brasil 2002’: pouca coisa nova
Em 2002, o mundo começava a entrar em contato com a era dos smartphones, quando a BlackBerry lança o modelo 5810. Entretanto, o primeiro modelo mais próximo do que temos hoje só seria lançado em 2007, pela Apple. Ainda estávamos em tempos que as filmagens eram feitas ou por filmadoras, ou por câmeras digitais.
A ausência de material robusto inédito é um problema para Brasil 2002: Os Bastidores do Penta, e explicado pelo cenário acima. Em alguma medida, é possível suscitar que a presença do ex-jogador Belletti, reserva da lateral-direita naquela Copa do Mundo, tenha relação com isso.
O documentário acaba sendo uma espécie de panfleto pró-Seleção, mas desconectado da própria realidade.
As novas imagens que o documentário apresentam são fruto das filmagens do ex-lateral, feitas com uma filmadora que decidiu levar, nas palavras dele, “para registrar um momento que poderia ser histórico”. Só que há pouco a ser mostrado, e aqui não há como definir se porque quase nada foi gravado, ou se Belletti optou por não entregar tudo que tinha.
Então, Ara acaba mostrando imagens que uma simples procura no YouTube pouparia o espectador de ficar 1h32 diante da tela. Por fim, isso acaba resultado em uma fetichização sobre o jogador brasileiro e uma estereotipação do torcedor.
As cenas acabam resumidas a jogadores cantando sambas e pagodes, e torcedores fantasiados e exaltados com a possibilidade da conquista da Copa do Mundo. Uma redução bastante simplória, ou como se diz nas redes sociais, Ara esqueceu que “não é só futebol”.
Convidados denotam tom neutro do documentário
Juca Kfouri sempre foi (e segue sendo) um dos mais ferrenhos críticos da CBF e da Seleção Brasileira pós-Nike. Sua participação em Brasil 2002 sugestionava uma posição de contraponto a que seria apresentado. No entanto, suas falas estavam resumidas a dar a perspectiva de quem acompanhou aquele mundial como integrante da imprensa.
O leitor pode, sabiamente, questionar se não fazia sentido, já que se trata de uma produção sobre os bastidores daquela vitória. Todavia, é fundamental frisar que os escândalos da CBF também constituem o material dessa coxia.
É mais uma demonstração do desejo que parece estar por trás do filme: aproximar a Seleção Brasileira do povo às vésperas de uma nova Copa do Mundo. Jogadores preponderantes na trajetória de 2002, casos do ex-goleiro Marcos e do ex-meia Rivaldo, bolsonaristas convictos, não são convidados a falar.
Luis Ara opta pelos jogadores mais “isentos”, que não possuem o hábito de se expressar publicamente sobre política e outros temas que pudessem ser considerados “espinhudos”. A opção, no entanto, deixa o documentário manco, tirando dois personagens importantíssimos.
Ronaldo, Roberto Carlos, Cafu, Juninho Paulista, Denilson e Lucio sorriem muito e contam pouco. E, para mostrar novamente o desejo do diretor e da produção em tornar Brasil 2002: Os Bastidores do Penta uma ode à Canarinho, David Beckham, Michael Owen e Oliver Kahn aparecem para enaltecer aquele grupo, chamado, mais de uma vez, de uma das maiores seleções brasileiras (e do mundo) de todos os tempos.
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