Há mais de uma forma de se ler Brooklin, coprodução britânica, irlandesa e canadense que estreia hoje nos cinemas brasileiros. Um dos oito indicados ao Oscar de melhor filme, o longa-metragem de John Crowley, revelado pelo premiado Rapaz A, é um delicado drama romântico, elegantemente filmado. Mas vai bem além disso.
O sensível e preciso roteiro de Nick Hornby (autor de Alta Fidelidade), também indicado ao Oscar, se baseia no romance homônimo de Colm Tóibín, e acompanha a jornada de Eilis, uma jovem irlandesa que, no início da década de 50 resolve deixar sua cidade natal, e com a ajuda do padre local, emigrar para Nova York, em busca de uma vida melhor – em sua localidade, onde mora com a mãe viúva e a irmã mais velha, ela tem de se contentar com um emprego modesto, no qual é constantemente humilhada pela patroa mandona.
Tanto o roteiro de Hornby quanto a direção de Crowley não têm pressa. Apostam no detalhe com muita delicadeza: a viagem transatlântica de navio empreendida por Eilis é fundamental para que a personagem ganhe tridimensionalidade e é fundamental na estrutura da narrativa.
A excelente atuação de Saoirsie Ronan, que disputa o Oscar pela segunda vez (a primeira foi como coadjuvante, ainda menina, por Desejo e Reparação), também é fundamental nesse processo: as mudanças de seu personagem se dão, sobretudo, em seus expressivos olhos azuis, que tudo dizem em uma interpretação contida, incrivelmente madura.
Eilis, no início do filme, é uma garota tímida, hesitante, embora já deixe entrever sua natureza determinada. A viagem rumo aos Estados Unidos funciona como um rito de passagem. Ao desembarcar, a personagem se instala no pensionato de uma conterrânea, a enérgica porém doce Mrs. Keogh (a sempre ótima Julie Walters, de Billy Elliot), que aluga quartos para jovens imigrantes irlandesas, algumas ingênuas como Eilis, outras nem tanto.
É fascinante descobrir a América através dos olhos da protagonista. Originária de uma cidadezinha do interior, ela se vê diante de uma metrópole que a desafia o tempo todo, a força a se transformar e sair do casulo. Arruma emprego como vendedora em uma loja de departamentos, começa a frequentar um curso noturno de contabilidade e também bailes para a comunidade irlandesa.
‘Brooklin’ dialoga com outro filme que disputa o Oscar em várias categorias (seis), o belíssimo ‘Carol’, de Todd Haynes.
Numa dessas festas, Eilis conhece Tony (Emory Cohen, revelado pelo seriado musical Smash), um encanador ítalo-americano, por quem se apaixona e que a apresentará a um mundo menos restrito, fora do círculo irlandês. O romance entre os dois é encantador, construído com delicadeza e suavidade.
Brooklin dialoga com outro filme que disputa o Oscar em várias categorias (seis), o belíssimo Carol, de Todd Haynes, injustamente excluído da disputa de melhor filme e direção. Ambas produções são histórias de amor, ambientadas na Nova York dos anos 50, e protagonizadas por mulheres, em torno das quais as narrativas são construídas. Falam de enfrentamento, de desejo, de tomar as rédeas do próprio destino.
Se em Carol a sexualidade das duas personagens centrais tem papel central, discutindo os empecilhos sociais e morais para que elas vivam sua história de amor, em Brooklin os conflitos são outros, mas avizinhados: Eilis se vê diante de forças sociais talvez mais sutis, mas que também a forçam a abrir mão do controle de seu destino.
Quando um infortúnio familiar a obriga a retornar à Irlanda, Eilis deixa Tony com a promessa de voltar o mais rápido possível. De volta a sua cidade natal, entretanto, tudo parece conspirar para que ela se conforme às condições até favoráveis que se apresentam: um bom emprego, a perspectiva de se casar com um rapaz abastado, Jim (o ótimo Domhall Gleeson, também presente no elenco de O Regresso), a proximidade com a mãe.
Assim, Brooklin, além de ser uma competente love story, também se afirma como um drama histórico que discute (bem) a imigração no século 20 e a condição feminina. Sem grandes ousadias formais, mas inegável solidez, que vão da notável condução do elenco à direção de arte e figurino, mais do que meros ornamentos visual. É um filme cativante e despretensioso que flui com serenidade nos olhos de Eilis.
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