O arquiteto László Tóth (Adrien Brody) questiona: “Haveria uma descrição mais precisa de um cubo do que sua própria construção?” Essa reflexão sintetiza sua abordagem ao brutalismo, estética que define tanto sua obra quanto a essência do filme O Brutalista, de Brady Corbet, indicado a 10 Oscar. O estilo de László fundamenta-se na pureza das formas e na honestidade dos materiais.
Educado na Bauhaus, ele foi uma figura influente na arquitetura antes de ser reduzido ao anonimato ao chegar aos Estados Unidos como sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald. Com o tempo, ele descobre que muitas de suas edificações resistiram à guerra e continuam a contar sua história mesmo em sua ausência.
A divulgação massiva de aspectos técnicos do filme – sua duração de 215 minutos, o intervalo de 15 minutos embutido e o uso do formato VistaVision em widescreen de alta resolução (o primeiro longa-metragem americano a utilizá-lo desde 1963) – não são apenas capricho estético. Esses elementos refletem a essência do próprio filme: uma obra cuja estrutura e materialidade são parte fundamental de sua narrativa e impacto.
Mais do que um filme a ser assistido, O Brutalista se impõe como uma experiência sensorial, que absorve o espectador para dentro de seu universo. Sua densidade dramática gera um campo gravitacional próprio, amplificado pelo ceticismo mordaz de Corbet, também presente em seus trabalhos anteriores, A Infância de um Líder (2015) e Vox Lux (2018). O longa transcende o gênero de drama histórico e se metamorfoseia em uma fábula sombria, na qual a verdadeira criatura monstruosa não é um ser mitológico, mas sim a própria América.
Na busca por recomeçar, László recorre ao primo Attila (Alessandro Nivola), dono de uma loja de móveis na Filadélfia. Attila renunciou às marcas de sua identidade judaica, adotando um sobrenome mais neutro e casando-se com uma mulher católica (Emma Laird).
Seu sotaque húngaro, controlado com disciplina, ocasionalmente escapa, revelando a luta interna de um homem tentando se integrar sem abandonar completamente suas raízes. László e Attila são contratados por Harry (Joe Alwyn), filho do industrialista Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce, em uma atuação impregnada de sutis ameaças), para renovar a biblioteca do patriarca.
O diretor de fotografia Lol Crawley enfatiza esse peso visualmente, projetando as sombras austeras da arquitetura brutalista sobre os rostos dos personagens, refletindo suas angústias e conflitos internos.
Inicialmente, Harrison se recusa a remunerá-los, mas muda de opinião ao ser abordado pela revista Look para um artigo sobre sua propriedade. Ao descobrir o legado de László, decide transformar sua casa, localizada em Doylestown, em um monumento para sua falecida mãe, incluindo um auditório, um ginásio, uma biblioteca e uma capela. Para ele, não se trata de compreender o brutalismo, mas de se associar, em uma simbiose perversa, à genialidade. Representante do capitalismo utilitário, o magnata se apropria do novo, dele se serve como se dele fosse dono, e não tem pudor de cuspir, de descartar László.
Entretanto, László sente-se incompleto sem sua esposa, Erzsébet (Felicity Jones), que ficou presa na Europa com sua sobrinha Zsófia (Raffey Cassidy). Quando finalmente se reúne com sua família, Erzsébet percebe que a experiência nos Estados Unidos os transformou de maneira irreversível. Ela acredita que László sente vergonha dela, e a distância emocional entre eles se intensifica.
Cada vez mais subjugado pela pressão de Harrison e obcecado por seu trabalho, László se torna uma figura distorcida, que Erzsébet acusa de “adorar apenas a si mesmo”. Enquanto isso, Zsófia acredita que encontrarão paz e pertencimento ao se mudarem para Israel, em um embate entre diferentes visões de exílio e redenção. O Brutalista enfatiza como a América alimenta e perpetua essas ilusões. O sonho americano se transforma em pesadelo.
‘O Brutalista’: cicatrizes do trauma
Adrien Brody, como em seu papel premiado com o Oscar em O Pianista, carrega no corpo e no olhar as cicatrizes do trauma. Seu László é uma figura magra e frágil, mas repleta de uma tensão emocional quase palpável. O diretor de fotografia Lol Crawley enfatiza esse peso visualmente, projetando as sombras austeras da arquitetura brutalista sobre os rostos dos personagens, refletindo suas angústias e conflitos internos.
Em uma de suas cartas, Erzsébet cita Goethe: “Ninguém está mais irremediavelmente escravizado do que aqueles que acreditam estar livres”. O que resta de László ao final de sua jornada? O que sobra desses personagens ao longo da história? Essas são perguntas que Corbet e sua corroteirista, Mona Fastvold, propõem com profundidade e complexidade, deixando a resposta à interpretação do público. No entanto, uma certeza persiste: o vazio e a desesperança que permeiam O Brutalista são tão inabaláveis quanto os edifícios que simbolizam seu protagonista.
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