Menos é muito mais em A Chegada, ficção científica do diretor canadense Denis Villeneuve (de Os Suspeitos e O Homem Duplicado). Baseado em um conto do norte-americano Ted Chiang, o filme, um dos melhores e mais instigantes de 2016, se apropria de questões recorrentes em um gênero cinematográfico clássico, como a existência de vida alienígena, viagens no tempo e os limites da ciência, não apenas como acessórios para a construção de uma trama de ação: esses temas são partes indissociáveis do enredo e estão bordados em todo seu DNA, se associando àquele que parece ser o grande trunfo da história: elevar a comunicação à posição de protagonismo.
A personagem central de A Chegada, e sua improvável heroína, Louise (Amy Adams, de Trapaça), não empunha armas. Tampouco é uma cientista, especialista em extraterrestres ou em Astrofísica. É uma respeitada professora universitária de Linguística, cuja área de especialidade é não apenas a história dos idiomas, mas seus padrões, e as semelhanças e diferenças que os aproximam e os distanciam entre si. Logo na sequência inicial do filme, ficamos sabendo que ela perdeu uma filha, vítima de uma doença sem cura, “irrefreável”.
Supõe-se que, ainda muito abalada por essa perda dolorosa, a linguista receba um chamado que alterará para sempre seu destino. Quando 12 naves espaciais gigantes em forma de concha (ou casulos) negras pousam em diferentes pontos da Terra, Louise é primeiro consultada, e depois convocada, pelas Forças Armadas dos Estados Unidos para integrar uma equipe multidisciplinar, da qual também faz parte o físico Ian (Jeremy Renner, de Guerra ao Terror). O grupo tenta, há algum tempo, e sem sucesso, estabelecer contato com os alienígenas.
É belo, e profundamente tocante, como A Chegada, em um momento em que a ascensão ao poder de Donald Trump pode significar um recrudescimento do militarismo, opta por um discurso claramente pacifista.
Uma estranha, oriunda da área de Humanidades em um ninho de cientistas e militares, Louise, ainda que aparentemente frágil e hesitante, aos poucos vai quebrando paradigmas, se recusando a olhar para os extraterrestres como “inimigos”. Prefere vê-los como um outro a ser decifrado – a distância só pode ser reduzida se ela e seus companheiros compreenderem os padrões comunicacionais praticados pelos visitantes, seres com sete pernas, que se expressam por meio de desenhos que parecem desafiar toda e qualquer lógica conhecida. Para isso, Louise busca a proximidade, entrando, dia após dia, no interior da nave, se expondo em toda a sua vulnerabilidade, manifestada pelos meios de expressão dos quais ela dispõe: fala, gestos, toques, olhares, linguagem corporal. Há, aí, um comovente encontro de alteridades.
É belo, e profundamente tocante, como A Chegada, em um momento em que a ascensão ao poder de Donald Trump pode significar um recrudescimento do militarismo, opta por um discurso claramente pacifista. Louise e Ian, em uma simbiose entre ciência e conhecimento humanista, e que aos poucos também se desenha no plano afetivo, se contrapõem à truculência do jogo das armas na busca por respostas e solução de conflitos. Defendem a aproximação paciente, generosa, na busca por canais de diálogo com os visitantes.
Essa opção é o grande trunfo do filme, que deixa as habituais cenas de ação e de efeitos visuais pirotécnicos à margem da narrativa principal, mais interessada em aspectos filosóficos, existenciais e intimistas da trama, que discute questões essenciais como o tempo, a existência ou não do destino, a tolerância e, por fim, o amor, em suas diversas formas. Os tiros, as bombas e explosões existem, mas são propositalmente minimizados.
Ao descobrir o que os aliens teriam a dizer, ou a ensinar a nós, humanos, o filme, estruturalmente, se transforma: o aprendizado de Louise acaba, aos poucos, por revelar significados ocultos no enredo, em um exercício narrativo dos mais engenhosos. A direção de Villeneuve, que é, ao mesmo tempo, altamente visual e um exímio contador de histórias, mostra ser fundamental no êxito de A Chegada. Ele não tem pressa. Opta pela profundidade, aposta na sensibilidade e na capacidade de dedução do espectador, para subverter expectativas e falar de paz em tempos tão belicosos. O cineasta nos presenteia com um grande filme.
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