Há uma concepção recorrente de São Paulo como uma cidade de todos, no sinônimo de cosmopolita: aparentemente, pessoas do mundo todo vivem nela, tornando-a uma espécie de Babilônia. Mas para além das nações e dos grupos étnicos mais lembrados (como os italianos, os japoneses, os judeus), há os imigrantes postos mais à margem da cidade, que ficam circunscritos às regiões mais pobres ou perigosas.
Em Cidade Pássaro, o diretor Matias Mariani se volta ao retrato de um grupo ainda pouco representado na cidade: os imigrantes de países da África. Na história narrada no filme, acompanhamos a jornada de Amadi (O.C. Ukeje), um músico nigeriano que vem até o Brasil procurar pelo irmão mais velho, Ikenna (Chukwudi Iwuji). Tudo o que sabe sobre ele é que seria professor de matemática em uma universidade de São Paulo. Mas, chegando aqui, vai descobrindo que as coisas não são bem assim.
Amadi se instala na casa do tio (Barry Igujie), que possui uma loja de cabelos localizada na Galeria Presidente, na região da República (na realidade, a galeria existe e é mesmo um ponto de negócios ligados aos africanos). Ele se joga então na busca do irmão, a partir de pistas que vão surgindo em seu caminho como mágica.
O centro de São Paulo aparece mais do que como pano de fundo. De certa forma, a cidade é quase a protagonista, ou pelo menos a companheira de Amadi enquanto a percorre à procura do irmão. No filme de Matias Mariani, a metrópole vai ganhando espaço a partir de enquadramentos distantes que focam menos em closes dos atores, e mais na sua inserção no cenário duro e belo da “selva de pedra”, outro apelido dado à capital.
Nigéria e Brasil fundidos em São Paulo
O centro de São Paulo aparece mais do que como pano de fundo. De certa forma, a cidade é quase a protagonista do filme.
A beleza de Cidade Pássaro diz respeito à fusão ocorrida entre a cidade de todos e a cultura Igbo, grupo étnico da Nigéria a qual Amadi e Ikenna pertencem. Na São Paulo em que todo mundo corre e ninguém tem tempo para nada, suas vivências possibilitam que haja espaço para que o fantástico transborde.
É a partir dele que as histórias de Amadi e Ikenna se cruzam, mesmo que os irmãos estejam separados há anos. Amadi diz várias vezes que é a reencarnação do irmão mais velho. e o busca para honrar a mãe, que se envergonha da ausência do primogênito. Por outro lado, esta carga familiar é pesada para qualquer um. “Talvez ele tenha cansado de carregar esse fardo, além de carregar os dele”, pontua o tio em certo momento.
Mas a mágica se atravessa nas peças soltas pelo ar, amarradas por um misticismo algo misterioso para esta cidade: os cavalos no Jockey Club, os cálculos matemáticos, os diferentes credos espalhados pelo centro, o laptop que aparece na mesma lanhouse que Amadi entra. É tudo pontuado de forma simbólica por um roteiro cheio de pequenos tesouros.
E é curioso que, de certo modo, essa magia funciona como cola e antídoto para uma cidade que, embora plural, é permeada pela incomunicabilidade. São vários idiomas falados em Cidade Pássaro, e há um casal que só consegue conversar por meio do tradutor do celular. Revela-se, aos poucos, que mergulhar no incompreensível é, por vezes, a única forma de poder transitar pela capital do país e uma das riquezas que os imigrantes trazem para cá.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.