Mais do que uma simples representação sobre as atividades circenses no âmbito de uma sociedade pós-industrial dos anos 60 no Rio de Janeiro, repleta de entretenimentos, como a televisão e o cinema, o cinema documentário do curta dirigido por Arnaldo Jabor (e com montagem de Cacá Diegues), O circo (1965), traz uma revolução na arte de fazer cinema, especialmente no Brasil.
Ganhador de prêmios importantes para a época, como o de melhor curta metragem e melhor som direto na 1ª Semana do Cinema Brasileiro (1965), em Brasília, e do Prêmio do Festival dei Popoli de 1966, na Itália, o documentário é um dos primeiros com a novidade que mudaria a cinematografia brasileira: o som direto.
Um dos pontos fortes do curta é que é possível ver a recepção do público no circo do subúrbio carioca, mostrando a alegria e a descontração que a arte circense ainda proporcionava ao público. Diferente do que se possa imaginar, no entanto, o novo recurso utilizado por Jabor é mais um traço da estética que seguiria seus filmes dali em diante (em especial pelo longa A opinião pública, de 1967) do que pelo pioneirismo em si.
Em entrevista à 17ª edição do periódico Filme Cultura, uma importante publicação sobre cinema brasileiro da segunda metade do século XX no Brasil, o cineasta revela: “Eu não tinha contato maior com o cinema. O que me interessava até então era o teatro. Por isso, o filme me interessa principalmente por essa ingenuidade. O que me agrada nele é o lado de seu retrato da tentativa dramática de existência do povo através do fenômeno do circo”.
Sendo o primeiro trabalho do cineasta que, aos 25 anos de idade, era poeta e já tinha alguma experiência em direção, especialmente em Maioria Absoluta (1964), de Leon Hirszman, a ideia inicial seria gravar um filme baseado nos poemas de João Cabral de Melo Neto percorrendo o rio Capiberibe, no nordeste do país. Porém, com o advento da ditadura militar no mesmo período, a ideia foi deixada de lado e Jabor resolveu fazer um filme sobre a arte circense na grande Rio de Janeiro.
Com uma influência que iria determinar o cinema brasileiro nos próximos anos, no Cinema Novo, antes da produção o cineasta havia participado de um curso do cineasta sueco Arne Sucksdorf, além de ter bebido de influências de filmes do Nouvelle Vague francês e do Neorrealismo italiano exibidos no período pela Cinemateca do Rio.
O curta comprovou que era possível fazer um cinema inovador com um roteiro simples e poucos recursos.
O circo foi recebido na época com uma crítica muito favorável, especialmente pelo modo como foi filmado. Ao apresentar os artistas, o diretor não deixou de mostrar também como era produzida a arte no dia a dia das ruas cariocas. O uso do equipamento leve foi muito importante durante a filmagem, fazendo com que pudessem ser gravadas cenas improvisadas e com um tom de realismo que era algo novo no documentarismo brasileiro da época. Tudo isso alternado com entrevistas que davam um curso à narrativa.
Ao apresentar a delicada história do palhaço que perdeu tudo em um incêndio que derrubou um circo em Niterói, em 1961, e depois montou a sua própria seita, por exemplo, Jabor mostra cenas dele fazendo um sermão para os passageiros de um ônibus. Ou seja, o que seria comum no documentarismo daí em diante é introduzido de maneira peculiar no curta.
O crítico Moura Reis publicou para a Tribuna da Imprensa, no dia 7 de agosto de 1965: “Cinema-verdade no melhor dos seus aspectos, filme-enquete, reportagem, documentário profundo, O circo dá a Arnaldo Jabor um outro mérito do cinema brasileiro: o de captar em toda sua grande, irônica e trágica atmosfera brasileira tipos brasileiros – gente da rua, massa, povo, nós”.
De fato, O circo demonstra a capacidade de Jabor em fazer um cinema com a identificação do público, o que se comprovaria no seu longa de dois anos seguintes. O maior triunfo do curta é que mostra como é possível fazer um cinema inovador com um roteiro simples e poucos recursos – bastava uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
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